Capítulo 1
Exortação a praticar a justiça (Pr 8,31; Jo 8,34; 1 Cor 10,10)
1Amai a justiça, vós que governais a terra,
tende para com o Senhor sentimentos rectos
e buscai-o com sinceridade de coração.
2Porque Ele deixa-se encontrar por aqueles que não o tentam
e revela-se aos que não perdem a fé nele.
3Com efeito, os pensamentos perversos afastam de Deus;
e o seu poder, posto à prova, confunde os insensatos.
4A sabedoria não entrará numa alma maligna
nem habitará num homem sujeito ao pecado.
5O espírito santo, que nos educa, foge da duplicidade,
afasta-se dos pensamentos insensatos,
retira-se ao aproximar-se a iniquidade.
6A sabedoria é um espírito benevolente,
mas que não deixará sem castigo os lábios blasfemos,
porque Deus é testemunha dos seus pensamentos,
examina o seu coração segundo a verdade
e escuta as suas palavras.
7O espírito do Senhor enche o universo,
e Ele, que tudo abrange, tem conhecimento de quanto se diz.
8Aquele que profere palavras iníquas, não poderá ocultar-se,
e a justiça acusadora não passará ao largo dele:
9os planos do ímpio serão examinados,
o som das suas palavras chegará aos ouvidos do Senhor,
como prova dos seus delitos.
10Com efeito, é um ouvido cioso que tudo ouve,
até o ruído das murmurações não ficará escondido.
11Abstende-vos, pois, de murmurações inúteis;
evitai que a vossa língua se entregue à maledicência,
porque a palavra secreta não fica sem efeito,
e a boca que calunia dá morte à alma.
A morte não vem de Deus, mas do pecado(2,23-24; Pr 8,36)
12Não procureis a morte com uma vida desregrada
nem susciteis a vossa perdição com as obras das vossas mãos.
13Deus não é o autor da morte
nem se compraz com a destruição dos vivos.
14Pois Ele tudo criou para a existência,
e todas as criaturas têm em si a salvação.
Não há nelas veneno de morte,
nem o poder do Hades domina sobre a terra,
15porque a justiça é imortal.
Existência segundo os ímpios
16Mas os ímpios atraem o Hades com palavras e obras;
julgando-o seu amigo, por ele se consomem,
fazem aliança com ele;
bem merecem fazer parte dele.
Capítulo 2
1Dizem, com efeito, nos seus falsos raciocínios:
«Breve e triste é a nossa vida,
não há remédio algum quando chega a morte.
E também não se conhece ninguém
que tenha regressado do mundo dos mortos.
2Foi por acaso que viemos à existência
e, depois, será como se não tivéssemos existido!
A respiração das nossas narinas é apenas fumo,
e o pensamento, uma centelha do bater do coração!
3Quando ela se apaga, o nosso corpo voltará ao pó,
e o nosso espírito se dissolverá como o ar subtil.
4Com o tempo, o nosso nome cairá no esquecimento,
e ninguém se lembrará das nossas obras.
A nossa vida é como uma nuvem que passa sem deixar rasto,
há-de dissipar-se como bruma,
ferida pelos raios de sol
e abatida pelo seu calor.
5O tempo da nossa vida é como sombra que passa,
e o nosso fim não se pode adiar,
pois a vida está selada e ninguém pode voltar atrás.
6Vinde, pois! Gozemos dos bens presentes,
tiremos prazer das criaturas com o ardor da nossa juventude!
7Inebriemo-nos do melhor vinho e de perfumes,
e não deixemos passar as primeiras flores da Primavera!
8Coroemo-nos de botões de rosas, antes que murchem!
9Nenhum de nós falte às nossas orgias;
deixemos em toda a parte sinais da nossa alegria,
pois esta é a nossa parte e a nossa herança.»
Atitude dos ímpios para com o justo (Jr 20,10-13)
10«Oprimamos o justo na sua pobreza,
não poupemos a viúva
nem respeitemos os cabelos brancos do ancião!
11Seja a nossa força a norma da justiça
porque o que é fraco para nada serve.
12Armemos laços ao justo porque nos incomoda,
e se opõe à nossa forma de actuar.
Censura-nos as transgressões da Lei,
acusa-nos de sermos infiéis à nossa educação.
13Ele afirma ter o conhecimento de Deus
e chama-se a si mesmo filho do Senhor!
14Ele tornou-se uma viva censura para os nossos pensamentos;
só o acto de o vermos nos incomoda,
15pois a sua vida não é semelhante à dos outros,
e os seus caminhos são muito diferentes.
16Ele considera-nos como escória
e afasta-se dos nossos caminhos como de imundícies.
Declara feliz a sorte final do justo
e gloria-se de ter a Deus por pai.
17Vejamos, pois, se as suas palavras são verdadeiras,
e que lhe acontecerá no fim da vida.
18Porque, se o justo é filho de Deus,
Deus há-de ampará-lo e tirá-lo das mãos dos seus adversários.
19Provemo-lo com ultrajes e torturas
para avaliar da sua paciência
e comprovar a sua resistência.
20Condenemo-lo a uma morte infame,
pois, segundo ele diz, Deus o protegerá.»
Os critérios errados dos ímpios
21Estes são os seus pensamentos, mas enganam-se
porque os cega a sua malícia.
22Ignoram os desígnios secretos de Deus,
não esperam a recompensa da piedade
e não acreditam no prémio reservado às almas simples.
23Com efeito, Deus criou o homem para a incorruptibilidade
e fê-lo à imagem do seu próprio ser.
24Por inveja do diabo é que a morte entrou no mundo,
e hão-de prová-la os que pertencem ao diabo.
Capítulo 3
Prémio para os justos, castigo para os ímpios
1As almas dos justos estão nas mãos de Deus
e nenhum tormento os atingirá.
2Aos olhos dos insensatos pareceram morrer,
a sua saída deste mundo foi tida como uma desgraça,
3a sua morte, como uma derrota.
Mas eles estão em paz.
4Se aos olhos dos homens foram castigados,
a sua esperança estava cheia de imortalidade.
5Depois de terem sofrido um pouco,
receberão grandes bens,
pois Deus os provou e achou dignos de si.
6Ele os provou como ouro no crisol
e aceitou-os como um holocausto.
7No tempo da intervenção de Deus, os justos resplandecerão
e propagar-se-ão como centelhas através da palha.
8Julgarão as nações e dominarão os povos,
e o Senhor reinará sobre eles para sempre.
9Aqueles que nele confiam compreenderão a verdade,
e os que são fiéis no amor habitarão com Ele,
pois a graça e a misericórdia são para os seus eleitos.
10Os ímpios, pelo contrário,
serão castigados segundo os seus pensamentos,
porque desprezaram o justo e se afastaram do Senhor.
11Desgraçados daqueles que desprezam a sabedoria e a sua disciplina!
Vã é a sua esperança, sem proveito os seus esforços,
inúteis as suas obras.
12As suas mulheres são insensatas,
e os filhos, depravados,
maldita, a sua descendência.
Esterilidade virtuosa e fecundidade com pecado (Sl 16,5-6; 37, 12-13; Is 56,3-5)
13Feliz a estéril imaculada,
que não manchou o seu leito:
terá a sua recompensa no dia do juízo.
14Feliz também o eunuco que não praticou o mal
nem teve maus pensamentos contra o Senhor:
receberá uma graça especial pela sua fidelidade
e um posto muito honroso no templo do Senhor.
15Pois é glorioso o fruto dos bons trabalhos
e imperecível a raiz da prudência.
16Porém, os filhos dos adúlteros
não hão-de desabrochar,
e a descendência da união ilegítima será exterminada.
17Ainda que tenham vida longa, ninguém fará caso deles,
e será sem honra o fim da sua velhice.
18E se morrerem cedo, não terão esperança
nem consolação no dia do juízo,
19pois é penoso o fim de uma raça injusta.
Capítulo 4
1Mais vale uma vida sem filhos, possuindo a virtude,
pois a imortalidade está na recordação da virtude:
ela é reconhecida por Deus e pelos homens.
2Quando está presente, é imitada;
quando está ausente, é desejada;
na eternidade, triunfa e é coroada
por ter vencido, sem mancha, nos combates.
3Ao contrário, a numerosa posteridade dos ímpios será inútil:
saída de rebentos bastardos, não lançará raízes fundas
nem terá bases sólidas.
4Ainda que, por algum tempo, se cubra de ramos,
por não estar bem sólida, será abalada pelo vento
e arrancada pela violência da tempestade.
5Os ramos serão quebrados ainda tenros,
os seus frutos serão inúteis,
verdes demais para serem comidos
e impróprios para qualquer uso.
6Pois os filhos das uniões ilícitas são testemunhas
da maldade de seus pais no dia do juízo.
Morte prematura do justo e longa vida do ímpio
7O justo, porém, ainda que morra prematuramente,
gozará de repouso.
8Uma velhice venerável não consiste em longa vida
nem se mede pelo número de anos.
9As cãs do homem são a prudência,
e uma verdadeira velhice é uma vida imaculada.
10Tendo-se tornado agradável a Deus, foi amado por Ele
e, como vivia entre os pecadores, foi transferido por Deus.
11Foi arrebatado a fim de que a malícia não lhe corrompesse a inteligência,
nem a astúcia lhe corrompesse a alma.
12Pois o fascínio do mal obscurece o bem,
e a vertigem da paixão perverte uma mente sem maldade.
13Chegado rapidamente à perfeição,
atingiu a plenitude de uma longa vida.
14A sua vida era agradável ao Senhor,
por isso Ele se apressou em tirá-lo do meio do mal.
As pessoas viram mas não compreenderam
nem reflectiram nisto:
15que a graça e a misericórdia são para os seus eleitos
e que Ele intervirá em favor dos seus santos.
16O justo que morre condena os ímpios que sobrevivem;
e o jovem, que em pouco tempo chega à perfeição,
condena a longa vida do pecador.
17Eles verão o fim do sábio,
mas não compreenderão os desígnios do Senhor sobre ele,
nem por que motivo o Senhor o pôs em segurança.
18Hão-de vê-lo e desprezá-lo,
mas o Senhor se rirá deles.
19Depois disto, se converterão num cadáver sem honra,
num objecto de opróbrio
para sempre entre os mortos;
pois o Senhor os precipitará de cabeça para baixo,
sem poderem falar,
os sacudirá nos seus fundamentos,
e ficarão totalmente abalados.
Viverão com amargura
e a sua memória perecerá.
Os ímpios perante o destino dos justos (2,10-20)
20Quando se pedir contas dos seus pecados, virão aterrorizados,
e os seus pecados se levantarão contra eles para os acusar.
Capítulo 5
1Então, com grande confiança, o justo se levantará
face aos que os oprimiram
e desprezaram as suas obras.
2Ao verem-no, serão abalados por um horrível temor
e ficarão estupefactos com a sua inesperada salvação.
3Dirão entre si, arrependidos,
gemendo na angústia da sua alma:
4«Este é aquele de quem nós outrora escarnecemos
e a quem loucamente cobrimos de opróbrio!
Insensatos de nós, que considerámos a sua vida uma loucura
e a sua morte uma vergonha!
5Como é ele contado entre os filhos de Deus
e partilha da sorte dos santos?
6Assim, extraviámo-nos do caminho da verdade,
a luz da justiça não brilhou para nós
e o Sol não se levantou sobre nós.
7Andámos pelas sendas da maldade e da perdição,
vagueámos pelos desertos sem caminhos
e ignorámos o caminho do Senhor!
8Que proveito tirámos do nosso orgulho,
e de que nos serviu a riqueza e a arrogância?
9Tudo isso desapareceu como a sombra,
como uma sombra que passa,
10como um navio que vai cortando as ondas agitadas,
sem deixar rasto da sua passagem
nem vestígio da sua quilha nas ondas.
11Ou como a ave que voa pelos ares,
sem deixar sinal do seu voo;
bate o ar com as asas,
fende-o com a força do seu impulso,
atravessa-o com o mover das suas asas,
sem deixar rasto da sua passagem.
12Ou como a seta atirada ao alvo,
que fende o ar, mas este logo se une,
ignorando-se, depois, a trajectória seguida.
13Assim também nós: mal nascemos, logo desaparecemos,
sem poder mostrar rasto de virtude.
Fomos consumidos pela nossa própria maldade.»
14Sim, a esperança do ímpio é como poeira levada pelo vento,
como leve espuma espalhada pela tempestade,
como fumo dissipado pela aragem
e como lembrança do hóspede de um dia que passa.
Destino glorioso do justo e castigo do ímpio
15Mas os justos viverão eternamente,
o Senhor os recompensará
e o Altíssimo cuidará deles.
16Por isso, receberão um reino de glória
e um diadema brilhante da mão do Senhor;
com a sua direita os protegerá
e com o seu braço os defenderá.
17Tomará o seu zelo como armadura
e armará a criação para castigar os seus inimigos.
18Tomará por couraça a justiça,
e por capacete o juízo sincero.
19Tomará a santidade como um escudo invencível.
20Afiará a sua ira para lhe servir de espada,
e todo o universo lutará com Ele contra os insensatos.
21Os raios sairão como setas certeiras desferidas das nuvens,
como de um arco bem distendido voarão para o alvo.
22Uma funda lançará uma violenta saraivada,
a água do mar se enfurecerá contra eles,
e os rios os arrastarão sem piedade.
23Um vento poderoso investirá contra eles
e como um furacão os dispersará.
A maldade fará de toda a terra um deserto,
e a iniquidade arrasará os tronos dos poderosos!
Capítulo 6
Os governantes e a sabedoria (Pr 8,15-16; Rm 13,1-7)
1Ouvi, pois, ó reis, e entendei;
aprendei, ó vós que governais em toda a terra!
2Prestai ouvidos, vós que reinais sobre as multidões
e vos gloriais do número dos vossos povos!
3Porque do Senhor recebestes o poder,
e a soberania vem do Altíssimo,
que julgará as vossas obras
e examinará os vossos pensamentos.
4Pois, sendo ministros do reino, não governastes com rectidão
nem respeitastes a Lei,
nem seguistes a vontade de Deus.
5De modo terrível e inesperado,
Ele vos aparecerá,
pois um julgamento rigoroso será feito aos grandes.
6O pequeno, com efeito, encontrará misericórdia,
mas os poderosos serão examinados com rigor.
7O Senhor de todos não temerá ninguém
nem se intimidará com a grandeza,
pois Ele criou o pequeno e o grande
e de todos cuida igualmente.
8Mas, para os poderosos, o julgamento será severo.
9A vós, pois, ó reis, se dirigem as minhas palavras
para que aprendais a sabedoria e não pequeis.
10Aqueles que se conduzem segundo as leis santas
serão reconhecidos como santos,
e os que se deixam instruir por elas, nelas encontrarão a sua defesa.
11Ansiai, pois, pelas minhas palavras,
desejai-as ardentemente e sereis instruídos.
A sabedoria deixa-se encontrar (Pr 1,20-21; 8,1-21; Sir 6,26-29)
12Radiante e inalterável é a sabedoria;
facilmente se deixa ver por aqueles que a amam,
e encontrar por aqueles que a buscam.
13Antecipa-se a manifestar-se aos que a desejam.
14Quem por ela madruga não se cansará:
há-de encontrá-la sentada à sua porta.
15Meditar nela é prudência consumada,
e aquele que não dorme por causa dela
depressa estará livre de inquietação.
16Pois ela própria vai à procura dos que são dignos dela,
pelos caminhos lhes aparece com benevolência
e vai ao encontro deles, em cada um dos seus pensamentos.
17O princípio da sabedoria é o sincero desejo de ser instruído por ela,
e desejar instruir-se é já amá-la.
18Mas amá-la é obedecer às suas leis,
e obedecer às suas leis é garantia de incorruptibilidade.
19E a incorruptibilidade aproxima-nos de Deus.
20Desta forma, o desejo da sabedoria conduz à realeza!
21Portanto, ó senhores dos povos, se quereis tronos e ceptros,
honrai a sabedoria e reinareis para sempre.
Elogio da sabedoria (Jb 10,8-12; Sl 139,13-16; Sir 10,1-5)
22Eu vou anunciar-vos o que é a sabedoria e qual a sua origem,
sem vos esconder os seus segredos.
Desde a sua origem mais remota a investigarei
e porei a claro o seu conhecimento,
sem me afastar da verdade.
23Não caminharei com aquele que se consome de inveja,
pois esta nada tem a ver com a sabedoria.
24A multidão dos sábios é a salvação do mundo
e um rei sábio é o bem-estar do povo.
25Deixai-vos, pois, instruir pelas minhas palavras
e delas tirareis grande proveito.
Capítulo 7
Salomão, um simples homem
1Também eu sou um homem mortal como todos os homens,
descendente do primeiro que foi formado da terra,
e no ventre de uma mãe fui feito carne.
2Durante dez meses fui ganhando corpo no sangue,
a partir do sémen do homem e do prazer conjugal.
3Também eu, ao nascer, respirei o ar comum
e, como todos, caí sobre uma terra de sofrimento
e, como todos, a primeira coisa que fiz foi chorar.
4Criaram-me com mimos entre cueiros.
5Nenhum rei começou de outro modo a sua existência,
6pois, para todos, é igual o começo e o fim da vida.
Estima da sabedoria (9; 1 Rs 3,6-12; 5,9-14; Sir 47,12-17)
7Por isso pedi, e foi-me dada a inteligência;
supliquei, e veio a mim o espírito de sabedoria.
8Preferi-a aos ceptros e aos tronos,
e, em comparação com ela, vi que não eram nada as riquezas.
9Nem sequer a comparei às pedras preciosas,
pois o ouro todo, diante dela, é um pouco de areia,
e a prata, perante ela, será como lodo.
10Amei-a mais que a saúde e a beleza,
e antes a quis ter a ela que a luz,
pois a sua claridade jamais tem ocaso.
11Com ela me vieram todos os bens,
e nas suas mãos está uma riqueza incalculável.
12Deliciei-me com todos estes bens,
pois é a sabedoria quem os conduz,
mas eu ignorava que ela fosse a sua mãe.
13Aprendi-a com simplicidade, reparto-a sem reservas
e não escondo a sua riqueza,
14porque ela é para os homens um tesouro inesgotável;
os que a adquirem tornam-se agradáveis a Deus,
e recomendáveis a Ele pelos dons da instrução.
Salomão pede a Deus a sabedoria (1 Rs 5,9-14)
15Que Deus me permita falar com inteligência
e ter pensamentos dignos dos dons concedidos,
pois é Ele quem guia a sabedoria
e quem dirige os sábios.
16Em suas mãos estamos nós e as nossas palavras,
toda a inteligência e toda a habilidade.
17Foi Ele quem me deu a verdadeira ciência das coisas
para conhecer a estrutura do universo e a propriedade dos elementos:
18o princípio, o fim e o meio dos tempos,
a alternância dos solstícios e a sucessão das estações,
19os ciclos do ano e as posições dos astros,
20a natureza dos animais e os instintos das feras,
o poder dos espíritos e os pensamentos dos homens,
a variedade das plantas e as virtudes das raízes.
21Conheci tudo o que está oculto ou manifesto,
pois a sabedoria, artífice de tudo, mo ensinou.
Natureza e propriedades da sabedoria
22Com efeito, há nela um espírito inteligente e santo,
único, múltiplo e subtil,
ágil, penetrante e puro,
límpido, invulnerável, amigo do bem e perspicaz,
23livre, benéfico e amigo dos homens,
estável, firme e sereno,
que tudo pode e tudo vê,
que penetra todos os espíritos,
os inteligentes, os puros e os mais subtis.
24A sabedoria é mais ágil que todo o movimento
e por sua pureza tudo atravessa e penetra.
25Ela é um sopro do poder de Deus,
uma irradiação pura da glória do Omnipotente,
pelo que nada de impuro entra nela.
26Ela é um reflexo da luz eterna,
um espelho imaculado da actividade de Deus
e uma imagem da sua bondade.
27Sendo uma só, tudo pode;
permanecendo em si mesma, tudo renova;
e, derramando-se nas almas santas de cada geração,
ela forma amigos de Deus e profetas,
28pois Deus só ama quem vive com a sabedoria.
29Ela é mais radiante que o Sol,
e supera todas as constelações;
comparada com a luz, sai vencedora,
30pois a luz dá lugar à noite,
mas sobre a sabedoria não prevalece o mal.
Capítulo 8
1Ela estende-se com vigor de uma extremidade à outra
e tudo governa com bondade.
A sabedoria, esposa ideal
2Eu a amei e busquei desde a minha juventude,
procurei tomá-la por esposa
e enamorei-me da sua formosura.
3A sua intimidade com Deus proclama a nobreza da sua origem,
pois o Senhor do universo a amou.
4É que ela está iniciada na ciência de Deus
e é ela quem escolhe as suas obras.
5E se a riqueza é um bem desejável na vida,
que há de mais rico que a sabedoria, que tudo pode?
6E se é a inteligência que opera,
quem mais que ela é artífice de todas as coisas?
7E se alguém ama a justiça
tem como seus frutos as virtudes,
pois ela ensina temperança e prudência,
justiça e fortaleza.
E nada há mais útil que isto para os homens.
8Se alguém deseja uma vasta experiência,
ela conhece o passado e adivinha o futuro,
penetra as subtilezas da linguagem e a chave dos enigmas,
prevê sinais e prodígios
e o desfecho das idades e dos tempos.
9Por isso, resolvi tomá-la por companheira da minha vida,
sabendo que ela será para mim conselheira do bem
e consolação nas preocupações e nas tristezas.
10Graças a ela, alcançarei glória entre as multidões
e, embora jovem, gozarei do respeito dos anciãos.
11Ser-me-á reconhecida perspicácia nos julgamentos
e farei a admiração dos poderosos.
12Se me calar, esperarão que fale;
se falar, escutar-me-ão atentamente;
se me alargar no discurso,
ficarão cheios de admiração.
13Graças a ela, alcançarei a imortalidade
e deixarei para a posteridade uma memória eterna.
14Governarei povos, e as nações me serão submetidas.
15Os tiranos temíveis, ao ouvir-me, assustar-se-ão.
Com o povo, mostrar-me-ei amável e corajoso na guerra.
16Ao regressar a casa, repousarei ao lado dela,
pois o seu convívio não tem nada de desagradável
nem a sua intimidade é aborrecida,
mas apenas deleite e alegria.
A sabedoria é puro dom de Deus
17Reflectindo eu sobre estas coisas
e meditando em meu coração
que a imortalidade está em união com a sabedoria;
18que na sua amizade existe um nobre prazer;
que na obra das suas mãos há uma riqueza inesgotável;
que há inteligência na assiduidade da sua companhia
e celebridade no diálogo com ela,
ia por toda a parte procurando possuí-la.
19Eu era um jovem de boas qualidades,
que tinha recebido uma alma boa;
20ou melhor, como era bom, vim para um corpo sem mancha.
21Sabendo, porém, que não a alcançaria,
se Deus não ma concedesse
e já era inteligência saber de quem vinha o dom –
dirigi-me ao Senhor e rezei,
dizendo de todo o coração:
Capítulo 9
Salomão implora a sabedoria (1 Rs 3,6-9; 2 Cr 1,7-10; Pr 8,27-30)
1«Deus dos nossos pais e Senhor de misericórdia,
que tudo criaste pela tua palavra,
2que formaste o homem pela tua sabedoria,
a fim de que dominasse sobre todas as criaturas que chamaste à existência,
3governasse o mundo com santidade e justiça
e exercesse o julgamento com rectidão de espírito,
4dá-me a sabedoria que se senta junto do teu trono
e não me excluas do número dos teus filhos.
5Pois eu sou teu servo e filho da tua serva,
homem débil e de vida breve,
incapaz de compreender a justiça e as leis.
6Mesmo que alguém fosse perfeito entre os homens,
sem a sabedoria que vem de ti, seria nada.
7Tu me escolheste como rei do teu povo,
como juiz dos teus filhos e filhas.
8Tu me mandaste construir um templo no teu monte santo
e um altar na cidade da tua morada,
à imitação da tenda santa que preparaste desde o princípio.
9Contigo está a sabedoria, que conhece as tuas obras,
que estava presente quando fazias o mundo,
e que sabe o que é agradável a teus olhos
e o que é recto segundo os teus mandamentos.
10Envia-a, pois, do teu santo céu,
digna-te enviá-la do trono da tua glória,
para que me assista nos meus trabalhos,
e eu conheça aquilo que te é agradável.
11Pois ela sabe e compreende tudo,
guiará os meus actos com prudência
e me protegerá com a sua glória.
12Assim, as minhas obras te serão agradáveis,
governarei o teu povo com justiça
e serei digno do trono de meu pai.
13Pois que homem poderia conhecer a vontade de Deus?
Quem poderá imaginar o que pretende o Senhor?
14Os pensamentos dos mortais são hesitantes,
e incertas as nossas reflexões;
15porque o corpo corruptível é um peso para a alma,
e esta tenda terrena oprime a mente cheia de cuidados.
16Mal podemos entender o que há sobre a terra
e o que está ao nosso alcance dificilmente o descobrimos;
quem poderá, pois, compreender o que há no Céu?
17E quem conhecerá a tua vontade, se não lhe deres a sabedoria,
e não enviares o teu santo espírito lá do Céu?
18Assim se endireitaram as veredas dos que vivem na terra,
os homens aprenderam o que é do teu agrado
e pela sabedoria se salvaram.»
Capítulo 10
1Foi ela quem protegeu o primeiro homem, pai do mundo,
quando ele estava só,
e o salvou do seu próprio pecado;
2e deu-lhe poder para dominar sobre todas as coisas.
3Mas quando, na sua ira, um homem injusto se afastou dela,
pereceu pelo seu furor fratricida.
4Quando, por causa dele, foi inundada a terra,
a sabedoria novamente a salvou,
conduzindo o justo numa frágil embarcação.
5E quando as nações, unidas no mal, foram confundidas,
foi ela quem reconheceu o justo,
e o manteve irrepreensível diante de Deus
e lhe deu forças para vencer o afecto para com o filho.
6Também, aquando da destruição dos ímpios,
foi ela quem salvou o justo que fugia do fogo que caía sobre a Pentápole.
7Testemunho desta perversidade
é ainda uma terra fumegante e deserta,
e árvores de frutos que não amadurecem;
e, como memorial de uma alma incrédula, está lá uma estátua de sal.
8Pois, por terem desprezado a sabedoria,
não só foram privados de conhecer o bem,
mas também legaram à história um testemunho da sua insensatez,
para que os seus pecados não ficassem esquecidos.
9A sabedoria, porém, livrou desses sofrimentos os seus fiéis.
10Quando o justo fugia da ira do seu irmão,
foi ela quem o guiou por caminhos rectos,
lhe mostrou a realeza de Deus
e lhe deu o conhecimento das coisas santas;
ela coroou de êxito as suas tarefas
e fez frutificar os seus trabalhos.
11Assistiu-o contra a cupidez dos opressores
e o cumulou de riquezas;
12protegeu-o dos seus inimigos,
e o defendeu de quantos o atacavam;
após um duro combate, deu-lhe a vitória,
para lhe ensinar que a piedade é mais poderosa que tudo.
13Quando o justo foi vendido, ela também não o abandonou,
antes o preservou do pecado.
14Desceu com ele à cisterna
e não o deixou em suas cadeias,
até lhe entregar o ceptro real
e o poder sobre os seus opressores.
Desmascarou os que o difamavam
e deu-lhe uma glória eterna.
A sabedoria guiou Moisés (Ex 7-15)
15Foi ela que livrou o povo santo, raça irrepreensível,
de uma nação de opressores.
16Entrou na alma do servo do Senhor
e opôs-se a reis poderosos com sinais e prodígios.
17Deu aos santos o prémio dos seus trabalhos
e conduziu-os por um caminho cheio de prodígios;
de dia, ela serviu-lhes de sombra
e, de noite, de astro flamejante.
18Fê-los atravessar o Mar Vermelho,
e os conduziu por águas caudalosas.
19Submergiu os seus inimigos
e depois, do fundo do abismo, lançou fora os seus cadáveres.
20Por isso, os justos despojaram os ímpios,
celebraram, Senhor, o teu nome santo,
e louvaram, a uma só voz, a tua mão protectora.
21Porque a sabedoria abriu a boca dos mudos
e tornou eloquente a língua das crianças.