Capítulo 31

Inocência de Job

1Eu fiz um pacto com os meus olhos:

de nem sequer olhar para uma don­zela.

2Que recompensa me daria Deus lá do alto,

que herança me reservaria dos céus o Omnipotente?

3Acaso a infelicidade não é para o ímpio,

e o infortúnio, para os que pra­ti­cam a iniquidade?

4Não conhece Deus os meus ca­minhos

e não conta todos os meus pas­sos?

5Porventura caminhei com a men­tira

e os meus pés correram atrás da fraude?

6Que Deus me pese na balança justa

e reconhecerá a minha inocência!

7Se os meus passos se desviaram do caminho,

e o meu coração foi atrás dos meus olhos,

se se apegou alguma mancha às minhas mãos,

8então, que eu semeie e outro coma,

e os meus rebentos sejam arran­cados!

9Se o meu coração se deixou se­duzir por uma mulher,

ou me pus à espreita, à porta do meu próximo,

10que a minha mulher faça girar a mó para outro,

e que os estranhos a possuam!

11Porque isso é um grande crime

e a maior das iniquidades;

12é fogo que devora até à destrui­ção

e que arruinaria todos os meus bens.

13Se violei o direito do meu servo e da minha serva

nas suas discussões comigo,

14que vou fazer, quando Deus se le­vantar para me julgar?

Que lhe responderei, quando me interrogar?

15Pois aquele que me criou no ven­tre, também o criou a ele,

um só nos formou a ambos no seio materno.

16Se recusei aos pobres aquilo que pediam

ou defraudei a esperança da viúva;

17se comi sozinho o meu pedaço de pão

sem dar ao órfão a sua parte

18–pois desde a juventude cuidei dele como pai,

desde o ventre materno o protegi –

19se não fiz caso do miserável sem roupas,

e do pobre que não tinha com que se cobrir;

20se não me ficaram agradecidos os seus membros,

aquecidos com a lã das minhas ovelhas;

21se levantei a mão contra o ór­fão,

por me ver apoiado pelo tribunal;

22que o meu ombro caia das mi­nhas costas,

e o meu braço seja separado do cotovelo!

23Porque eu sempre temi a Deus

e nunca resisti ao peso da sua majestade.

24Se pus no ouro a minha segu­rança,

ou fiz do ouro mais puro a minha esperança;

25se rejubilei com a grandeza da minha fortuna,

ou com o muito que a minha mão juntou;

26se, quando via o Sol brilhar

e a Lua erguer-se no seu esplen­dor,

27o meu coração se deixou seduzir em segredo

e lhes mandei um beijo com a mão;

28isto seria um crime digno de cas­tigo

pois teria renegado o Deus dos céus;

29acaso me alegrei com a ruína do meu inimigo

e exultei com a infelicidade que lhe sobreveio?

30Pois nem permiti que a minha língua pecasse,

reclamando a sua morte com uma imprecação!

31Não afirmaram os hóspedes da minha tenda:

‘Quem não saiu saciado da sua mesa?’

32Não deixei o estrangeiro de noite à intempérie

e abri sempre a minha porta ao viandante.

33Acaso encobri a minha culpa como homem,

e escondi no meu peito a minha iniquidade,

34por temor da multidão,

e receio do desprezo dos paren­tes,

e fiquei calado, sem pôr os pés fora da porta?

35Oxalá eu tivesse quem me ou­visse!

Eis a minha assinatura! Que o Omnipotente me responda!

O libelo de acusação escrito pelo meu adversário,

36não o levaria eu sobre os meus ombros

e não cingiria com ele a minha fronte

como se fosse um diadema?

37Dar-lhe-ia conta de todos os meus passos

e aproximar-me-ia dele como um príncipe.

38Se a terra clamou contra mim,

e os seus sulcos derramaram lá­grimas,

39se comi os seus frutos sem pa­gar

e afligi a alma dos que os culti­va­ram,

40nasçam-me cardos em vez de trigo

e joio em vez de cevada!»

Aqui terminam as palavras de Job.

Capítulo 32

Sabedoria e juventude1Aqueles três homens deixa­ram de replicar a Job, porque se tinha por justo. 2Então inflamou-se a cólera de Eliú, filho de Baraquel, de Buz, da família de Rame; irritou-se contra Job, porque pretendia ter razão diante de Deus. 3Indignou-se, também, contra os três amigos por não terem achado resposta conve­niente, contentando-se somente em condenar a Job. 4Como eram mais velhos do que ele, Eliú abstivera-se de responder a Job; 5mas, ao ver que não tinham mais nada a responder, encheu-se de indignação. 6Então Eliú, filho de Baraquel, de Buz, tomou a palavra e disse:


«Sou ainda jovem em idade

e vós sois mais velhos;

por isso, a minha timidez impediu-me

de vos manifestar o meu pensa­mento.

7Dizia comigo: ‘A idade é que fala;

e os muitos anos dão a conhecer a sabedoria!’

8Mas é o espírito de Deus no ho­mem,

o espírito do Todo-Poderoso, quem dá o entendimento.

9Não são os velhos os mais sá­bios,

nem sempre os anciãos discer­nem o que é justo.

10Por isso, atrevo-me a dizer: ‘Es­cutai-me!

Também eu mostrarei o meu saber!

11Eis que esperei as vossas pala­vras;

prestei atenção aos vossos racio­cí­nios,

enquanto prosseguiam as vossas discussões.

12Estive atento ao que dizíeis.

Mas ninguém refutou Job,

ninguém respondeu aos seus ar­gu­mentos.’

13Talvez digais: ‘Encontrámos a sa­bedoria;

é Deus e não um homem que o vai refutar.’

14A mim nada me disse,

e não vou responder-lhe com os vossos argumentos.

15Ficaram pasmados, nada disse­ram;

faltaram-lhes as palavras.

16Começarei eu, pois, já que eles não falam

e ficaram sem nada responder.

17Pelo que me toca, eu, sim, res­pon­derei

e mostrarei o que sei,

18pois tenho muito que dizer

e o espírito pressiona-me por den­tro.

19O meu peito é como vinho arro­lhado,

pronto a rebentar em odres novos.

20Falarei para ficar aliviado,

abrirei os meus lábios para res­ponder.

21Não farei acepção de pessoas;

nem procurarei agradar a nin­guém,

22porque não sei lisonjear,

e de outro modo seria castigado pelo meu Criador.»

Capítulo 33

Censuras dirigidas a Job

1«E agora, Job, escuta as mi­nhas palavras

e presta atenção ao meu dis­curso.

2Eis que abro a minha boca,

e é a minha língua que agora vai falar.

3As minhas palavras brotam de um coração recto,

e os meus lábios falarão a ver­dade.

4O espírito de Deus me criou,

e o sopro do Todo-Poderoso me deu a vida.

5Responde-me, se puderes!

Prepara a tua defesa e põe-te dian­te de mim.

6Também eu sou igual a ti diante de Deus,

como tu, fui formado de barro.

7Portanto, nada tens a temer de mim,

e o peso das minhas palavras não te acabrunhará.

8Disseste e eu ouvi,

eu mesmo percebi estas pala­vras:

9‘Sou puro, sem pecado,

estou limpo e em mim não há culpa.

10E, contudo, Ele encontra pre­tex­tos contra mim

e considera-me como seu ini­migo.

11Prendeu os meus pés no laço

e espiou todos os meus passos’.

12Responderei que nisto não tens razão,

pois Deus é maior do que o ho­mem.

13Porque te queixas contra Ele?

Por não dar resposta aos teus dis­cursos?

14Deus fala, ora de uma maneira, ora de outra,

mas o homem não o entende.

15Em sonhos ou em visões noctur­nas,

quando o sono profundo cai sobre os homens

adormecidos no seu leito,

16então, abre-lhes os ouvidos

e assusta-os com as suas apari­ções,

17a fim de os desviar do pecado

e de os preservar do orgulho,

18para salvar a sua alma do se­pul­cro

e livrar a sua vida do abismo.

19Corrige o homem com dores no leito,

com a dor contínua dos seus ossos.

20Faz-lhe sentir náuseas do pão,

dos manjares que antes apre­ciava.

21A sua carne vai-se consumindo,

e os ossos que não se viam apa­recem descarnados.

22A sua vida aproxima-se da se­pultura,

e a sua alma, daqueles que estão mortos.

23Mas, se para ele houver um anjo,

um intercessor entre mil,

para lhe ensinar o que deve fazer,

24que tenha piedade dele e diga:

‘Livra-o de descer ao sepulcro,

eu encontrei o resgate da sua vida’;

25então, o seu corpo recupera a ju­ventude

e retornará aos dias da adoles­cência.

26Ele implorará a Deus e este aco­lhê-lo-á,

deixá-lo-á contemplar a sua face com alegria,

e Deus restituirá ao homem a sua justiça.

27Aquele cantará diante dos ho­mens e dirá:

‘Pequei, violei a justiça,

e Deus não me tratou como me­recia.

28Salvou a minha alma de cair na sepultura,

e a minha vida inunda-se de luz.’

29Tudo isto é o que faz Deus,

duas e três vezes ao homem,

30a fim de lhe tirar a alma da se­pultura

e iluminá-la com a luz dos vivos.

31Presta atenção, Job, escuta-me:

cala-te enquanto eu falo.

32Mas, se tens algo para me dizer, responde-me;

fala, que eu desejo dar-te razão.

33Mas, se nada tens a dizer, escuta-me,

cala-te e eu ensinar-te-ei a sabe­do­ria.»

Capítulo 34

Domínio supremo de Deus

1Eliú retomou a palavra e disse:

2«Sábios, ouvi as minhas pala­vras,

prestai atenção, ó homens dou­tos,

3pois o ouvido discerne o valor das palavras,

como o paladar aprecia as igua­rias.

4Procuremos discernir o que é justo

e indaguemos nós mesmos o que é melhor.

5Job disse: ‘Sou inocente,

mas Deus recusa-se a fazer-me justiça.

6Apesar do meu direito, passo por mentiroso

e a minha ferida é incurável, sem eu ter culpa.’

7Onde existe um homem igual a Job

que bebe a blasfémia como quem bebe água,

8anda com os que praticam a ini­quidade

e caminha com os ímpios?

9Pois ele disse: ‘De que vale ao homem

estar de bem com Deus?’

10Ouvi-me, homens sensatos:

Longe de Deus a injustiça!

Longe do Todo-Poderoso a iniqui­dade!

11Ele trata os homens conforme as suas obras,

e dá a cada um o que merece.

12Na verdade, Deus não castiga sem motivo,

o Todo-Poderoso não falseia a jus­tiça!

13A quem confiou Ele o governo da terra?

A quem entregou o universo?

14Se Ele retirasse o seu sopro

e fizesse voltar a si o espírito do homem,

15a humanidade inteira pereceria num instante,

e o homem voltaria ao pó.

16Se tens inteligência, escuta isto,

ouve as minhas palavras.

17Poderá governar quem é ini­migo do direito?

E condenarás tu o Justo.

18Aquele que pode chamar a um rei: ‘Malvado’

e aos príncipes: ‘Criminosos’,

19esse não dá preferências aos prín­cipes

nem distingue o rico do pobre,

porque todos são obra das suas mãos.

20Num instante perecem no meio da noite;

os poderosos são sacudidos e de­saparecem;

o tirano é removido por um poder invisível.

21Porque Deus vê o proceder dos ho­mens

e conta todos os seus passos.

22Não há escuridão nem trevas

para esconder os que praticam a iniquidade.

23Deus não necessita de fixar um prazo ao homem

para que ele se apresente no di­vino tribunal.

24Abate os poderosos sem inqué­rito

e põe outros em lugar deles.

25Com efeito, conhece as suas ac­ções;

derruba-os de noite e são aniqui­lados.

26Fere-os como ímpios

à vista de todos,

27porque se afastaram dele

e não quiseram conhecer os seus caminhos,

28fazendo chegar até Ele o clamor do oprimido

e o grito do infeliz que Ele aco­lheu.

29Se Ele fica quieto, quem o con­de­nará?

Se oculta a sua face, quem o po­derá ver?

Ele cuida das nações e dos indi­víduos,

30evitando que o ímpio venha a rei­nar,

e se torne uma armadilha para o povo.

31Se alguém disse a Deus:

‘Es­tou arrependido;

não voltarei a pecar;

32ensina-me, para que eu possa ver;

se fiz o mal, não o voltarei a fazer.’

33Castigará Ele segundo o teu cri­tério, por discordares?

Já que és tu quem decides e não eu,

diz, pois, o que sabes.

34As pessoas sensatas responder-me-ão,

com todo o homem sábio que me ouve:

35‘Job não falou sensatamente

e as suas palavras são desti­tuí­das de razão.’

36Pois bem! Job seja provado até ao fim,

já que as suas respostas são de um homem ímpio.

37Porque juntou a rebelião ao seu pecado,

e lança a dúvida no meio de nós,

multiplicando as suas palavras contra Deus.»

Capítulo 35

Deus superior e impar­cial

1Depois, Eliú retomou a pa­la­vra e disse:

2«Porventura consideras justo

dizer que tens razão contra Deus

3já que dizes: ‘De que me serve

e que vantagens tenho em não ter pecado?’

4Pois eu vou dar-te a resposta,

a ti e aos teus amigos.

5Contempla o céu e vê;

considera as nuvens: são mais altas do que tu!

6Se pecas, que mal lhe causas?

Se multiplicas os teus pecados, que mal lhe fazes?

7Se és justo, que lhe ofereces

ou que recebe Ele da tua mão?

8Só a um homem como tu afecta a tua maldade,

e só a um mortal, a tua justiça.

9Geme-se sob o peso da opres­são,

e clama-se sob a mão dos podero­sos.

10Mas ninguém diz: ‘Onde está Deus que me criou,

e que inspira cânticos de louvor, na noite,

11e nos instrui mais que os animais selvagens,

e nos faz mais sábios que as aves do céu?’

12Clama-se, mas Ele não responde,

por causa do orgulho dos maus.

13Deus não ouve os discursos frí­volos,

o Todo-Poderoso não os atende.

14Muito menos, quando dizes que Ele não olha por ti.

A tua causa está diante dele. Es­pera nele.

15Ao dizer que a sua cólera não cas­tiga,

e que Ele ignora o pecado,

16Job abriu a boca em palavras ociosas,

e alarga-se em divagações de igno­­rante.»

Capítulo 36

Comportamento humano e grandeza de Deus

1Eliú prosseguiu dizendo:

2«Espera um pouco e eu te ins­trui­rei,

tenho ainda mais razões a favor de Deus.

3Trarei de longe o meu saber

e declararei a razão do meu Cria­dor.

4Na verdade, as minhas palavras não são mentirosas,

e aquele que te fala é um homem de ciência sólida.

5Sim, Deus é poderoso

e não despreza o puro de coração.

6Não deixa viver o mau

e faz justiça aos infelizes.

7Não afasta os seus olhos dos jus­tos;

senta-os no trono com os reis,

e dá-lhes grandeza e glória eterna.

8E se eles se encontram acorren­ta­dos,

oprimidos nos laços da miséria,

9Ele lhes fará reconhecer as suas obras

e os seus pecados cometidos por orgulho.

10Abre-lhes os ouvidos para os cor­rigir,

e exorta-os a que se afastem da iniquidade.

11Se o escutam e lhe são dóceis,

terminam os seus dias na felici­dade,

e os seus anos em bem-estar.

12Mas, se o não ouvem, acabarão no abismo

e, quando menos esperam, mor­re­rão.

13Os de coração perverso ficam en­furecidos

e não pedem auxílio quando Ele os aprisiona;

14por isso, morrem em plena mo­cidade,

perdem a vida na adolescência.

15Mas Deus salvará o pobre da sua miséria

e abrir-lhe-á os ouvidos com a tribulação.

16Assim, também te salvará a ti da angústia,

colocar-te-á em lugar espaçoso,

e a tua mesa transbordará de abun­­dância.

17Mas se te comportas como um ímpio,

a culpa e a pena serão equiva­lentes.

18Toma cuidado! Que a fartura não te seduza

e que o tamanho do resgate não te perca.

19Pode, acaso, o teu grito livrar-te da aflição,

e todos os teus vigorosos esfor­ços?

20Não suspires para que a noite

arrebate os povos uns atrás dos outros.

21Não te deixes escorregar para a iniquidade,

pois foi por isso que foste apa­nhado pelo sofrimento.

22Vê: Deus é sublime no seu po­der.

Que mestre lhe é comparável?

23Quem lhe fixou os seus cami­nhos?

Quem pode dizer-lhe: ‘Fizeste mal?’

24Pensa, antes, em glorificar as suas obras,

que tantos homens celebram nos seus cantos.

25Todos os homens as contem­plam

e todos as admiram desde longe.

26Deus é grande demais para o po­dermos conhecer;

e o número dos seus anos é in­calculável.

27Ele faz subir gotinhas de água

para transformar em chuva os seus vapores.

28As nuvens destilam e derra­mam chuva

em abundância sobre os homens.

29Quem compreenderá a exten­são das nuvens

e os trovões que ecoam pela abó­bada celeste?

30Espalha à sua volta a neblina

e encobre o cimo das montanhas,

31pois por esse meio alimenta os povos

e fornece-lhes alimentos em abun­­dância.

32Nas suas mãos esconde o raio

e fixa-lhe um alvo a atingir;

33o seu estrondo anuncia a sua che­gada

e o rebanho sente a ameaça da tormenta.»

Capítulo 37

Respeito pela grandeza de Deus

1«Isto faz o meu coração pal­pitar

e saltar de espanto no meu peito.

2Escutai o troar da sua voz

e o estrondo que sai da sua boca!

3Estende-se por toda a vastidão dos céus,

e o seu fulgor chega aos confins da terra.

4E, depois dele, ressoa o trovão.

Troveja com a sua voz majestosa

e ninguém pode deter os seus raios,

quando se faz ouvir a majestade da sua voz.

5Deus troveja com uma voz gran­diosa.

Faz prodígios que não compreen­demos.

6Diz à neve: ‘Cai sobre a terra’,

e às chuvas copiosas que caiam com força.

7Ele põe o selo na mão de todo o homem,

para que todos reconheçam que são obra sua.

8As feras também entram no seu covil

e permanecem nas suas tocas.

9A tempestade levanta-se do es­con­derijo,

e o frio vem dos seus reserva­tó­rios.

10Ao sopro de Deus forma-se o gelo,

e a superfície das águas endu­rece.

11Carrega as nuvens de raios

e as nuvens espalham os seus relâmpagos

12que vão em todas as direcções,

sob as suas ordens, para fazer tudo

o que Ele lhes ordena,

sobre a face da terra.

13Seja o castigo, seja o benefício, ou o perdão,

eles atingem seguramente o ho­mem.

14Escuta isto, Job,

pára e considera as maravilhas de Deus.

15Sabes como Deus comanda tudo isto

e faz brilhar os relâmpagos no meio das suas nuvens?

16Conheces, acaso, a lei do equilí­brio das nuvens,

prodígio de ciência infinita?

17Sabes porque aquecem as tuas vestes,

quando a terra é percorrida pelo vento do meio-dia?

18Saberás tu, como Ele, estender as nuvens

e torná-las sólidas como espelho de metal fundido?

19Ensina-nos o que lhe devemos di­zer,

para não nos apresentarmos às escuras.

20Quem lhe repetirá o que digo?

Quando um homem fala, ficará Ele mais informado?

21De súbito, não se pode ver a luz,

apesar de brilhar sobre as nu­vens;

mas passa um golpe de vento e varre-as.

22Do norte vem uma luz dou­rada:

Deus está envolto em terrível es­plendor;

23não somos dignos de atingir o Todo-Poderoso,

pois Ele é grande no seu poder,

nos seus juízos e na sua justiça inefável.

24Por isso, os homens hão-de temê-lo.

Mas Ele não olha para aqueles que se julgam sábios.»

Capítulo 38

Mistérios do universo

1Então, do seio da tempes­tade,

o Senhor respondeu a Job e disse:

2«Quem é esse que obscurece os meus desígnios

com palavras insensatas?

3Cinge os rins como um homem;

vou interrogar-te e tu responder-me-ás.

4Onde estavas, quando lancei os fundamentos da terra?

Diz-mo, se a tua inteligência dá para tanto.

5Sabes quem determinou as suas dimensões?

Quem estendeu a régua sobre ela?

6Sabes em que repousam as suas bases,

ou quem colocou nela a pedra angular,

7entre as aclamações dos astros da manhã

e o aplauso de todos os filhos de Deus?

8Quem pôs diques ao mar,

quando, impetuoso, saía do seio materno,

9quando Eu lhe dava por manto as nuvens,

e o enfaixava com névoas tene­bro­sas?

10Encerrei-o dentro dos limites que tracei,

e pus-lhe portas e ferrolhos,

11dizendo: ‘Chegarás até aqui; não mais além;

aqui se quebrará o orgulho das tuas ondas.’

12Alguma vez na tua vida deste or­dens à manhã

e indicaste o seu lugar à aurora,

13para que ela alcançasse as extre­midades da terra

e expulsasse dela os malfeitores?

14Modela-se a terra como o barro sob o sinete

e tinge-se como um vestido.

15Então, aos maus é recusada a sua luz,

e o braço dos soberbos é que­brado.

16Desceste até às fontes do mar

e passeaste pelas profundidades do abismo?

17Abriram-se-te, porventura, as portas da morte?

Viste as portas da morada tene­brosa?

18Consideraste a extensão da terra?

Fala, se sabes tudo isso!

19De que lado habita a luz?

Qual é o lugar das trevas,

20para que as conduzas ao seu do­mínio

e lhes mostres as veredas da sua morada?

21Deverias sabê-lo, pois já tinhas nascido

e era já grande o número dos teus dias!

22Penetraste nos depósitos da neve

e visitaste os armazéns do gra­nizo,

23que Eu reservo para o tempo de angústia,

para os dias de luta e de batalha?

24Qual é a maneira como se di­vide o relâmpago,

e por onde se expande o vento leste pela terra?

25Quem abre o caminho aos agua­ceiros

e as rotas ao trovão,

26para que chova sobre a terra

e sobre o deserto desabitado,

27para fecundar regiões vastas e desoladas,

a fim de nelas fazer germinar a erva verdejante?

28Terá a chuva um pai?

Quem gera as gotas de orvalho?

29De que seio sai o gelo?

E quem produz a geada do ar,

30quando as águas endurecem como pedra,

e se congela a superfície do abis­mo?

31És tu que atas os laços das Plêia­des,

ou que desatas as correntes de Orion?

32És tu quem manda sair, a seu tempo, as constelações

e conduz a Ursa Maior com os seus filhinhos?

33Conheces as leis do céu?

Acaso regulas as suas influên­cias sobre a terra?

34Levantas a tua voz até às nu­vens,

para que te cubram de águas abun­­dantes?

35A tua ordem faz surgir os relâm­pagos,

dizendo-te eles: ‘Eis-nos aqui’?

36Quem deu sabedoria ao íbis,

ou quem deu inteligência ao galo?

37Quem pode contar as nuvens com exactidão

e inclinar os odres do céu,

38quando a terra se torna dura e compacta,

e os torrões se aglomeram?

39És tu quem caça a presa para a leoa

e sacias a fome dos leõezinhos,

40quando estão deitados nos seus covis,

ou se escondem nas suas caver­nas?

41Quem prepara ao corvo o seu alimento,

quando os seus filhinhos gritam a Deus

e vagueiam em busca de co­mida?»

Capítulo 39

Mistérios do mundo animal

1«Sabes quando nascem as crias das corças?

Assististe ao parto das gazelas?

2Contaste os meses da sua gravidez

e conheces o tempo do seu parto?

3Elas abaixam-se, dão à luz as suas crias,

e assim nascem os seus filhotes.

4Os seus filhos tornam-se fortes e crescem,

afastam-se delas e não voltam mais.

5Quem pôs o asno selvagem em liberdade

e lhe soltou as peias?

6Dei-lhe a estepe como morada

e a terra salitrosa para lugar de habitação.

7Ele ri-se do tumulto das cidades

e não tem que ouvir os gritos do cocheiro;

8vagueia pelos montes, onde pasta,

e vai atrás de toda a erva verde.

9Consentirá o boi selvagem em servir-te,

ou em passar a noite no teu está­bulo?

10Poderás atar-lhe um jugo ao pes­­coço

para gradar atrás de ti os torrões dos teus campos?

11Fiar-te-ás nele por ser grande a sua força

e deixarás ao seu cuidado a la­voura das tuas terras?

12Contarás com ele para ceifar o teu trigo

e para encher de grão a tua eira?

13A avestruz bate as asas, orgu­lhosa,

como se tivesse asas e plumagem de cegonha.

14Abandona os seus ovos na terra

e deixa-os a aquecer na areia,

15sem pensar que um pé pode pisá-los,

e que os animais selvagens po­dem quebrá-los.

16É cruel com os filhos, como se não fossem seus,

e não se incomoda de ter sofrido em vão,

17porque Deus a privou da sabe­do­ria

e não lhe concedeu a inteligência.

18Mas, quando levanta voo,

ri-se do cavalo e do cavaleiro.

19És tu que dás a força ao cavalo

e lhe revestes o pescoço com as crinas?

20És tu que o ensinas a saltar como um gafanhoto

e a relinchar terrivelmente?

21Arrogante de força, escava a terra com a pata

e corre ao encontro das armas.

22Ri-se do medo, nada o assusta,

e não recua diante da espada.

23Sobre ele ressoa a aljava,

vibra a lança e o escudo.

24Fremente de impaciência, devora a terra

e não se detém ao som do clarim.

25Ao sinal da trombeta, diz: ‘Va­mos!’

De longe, fareja a batalha,

a voz atroadora dos chefes e o alarido dos guerreiros.

26É pela tua sabedoria que o fal­cão levanta voo

e estende as suas asas em direc­ção ao meio-dia?

27Acaso é à tua ordem que a águia levanta voo

e faz o seu ninho nas alturas?

28Ela habita nos rochedos e neles passa a noite,

sobre a crista das rochas e cumes escarpados.

29Dali espia a sua presa,

que os seus olhos descobrem à distância.

30Os seus filhinhos chupam o san­gue,

e onde houver cadáveres, ela aí está.»

Capítulo 40

Job reconhece a sua pe­que­nez

1O Senhor dirigiu-se a Job e disse-lhe:

2«Aquele que criticava o Todo-Pode­roso quererá discutir?

O que fazia correcções a Deus que responda a isto!»

3E Job respondeu ao Senhor, di­zendo:

4«Falei levianamente. Que pode­rei responder-te?

Ponho a minha mão sobre a boca;

5falei uma vez, oxalá não tivesse falado;

não vou falar duas vezes, nem acres­centarei mais nada.»


Grandeza e sabedoria de Deus

6Então, o Senhor respondeu a Job,

do seio da tempestade, e disse:

7«Cinge os teus rins como um ho­mem;

vou interrogar-te e tu me respon­derás.

8Queres reduzir a nada a minha justiça?

Queres condenar-me para te jus­tificares?

9Tens um braço forte como o bra­ço de Deus

e uma voz atroadora como a dele?

10Reveste-te, pois, de glória e ma­jes­­tade;

cobre-te de esplendor e magni­fi­cência;

11espalha as ondas da tua cólera

e humilha o arrogante com um só olhar.

12Crava os teus olhos no orgu­lhoso e confunde-o,

esmaga os ímpios onde quer que se encontrem.

13Sepulta-os todos debaixo da terra,

e cobre as suas faces de trevas eternas.

14E, então, também Eu te louva­rei,

se triunfares pela força da tua mão.

15Vê o hipopótamo que criei como a ti,

que se nutre de erva como o boi.

16A sua força reside no seu lombo,

e o seu vigor nos músculos do seu ventre.

17Levanta a sua cauda como um cedro;

os tendões das suas coxas estão entrelaçados.

18Os seus ossos são como tubos de bronze,

a sua estrutura é semelhante a barras de ferro.

19É a obra-prima de Deus;

e só o seu Criador aproxima dele a espada.

20As montanhas fornecem-lhe pas­tagem,

os animais do campo divertem-se à sua volta.

21Deita-se no meio dos canaviais

e em lugares escondidos e panta­nosos.

22Cobrem-no as árvores com a sua sombra

e rodeiam-no os salgueiros da tor­rente.

23Quando o rio transborda, ele não se assusta;

fica tranquilo, mesmo que um Jor­dão lhe entre pela boca.

24Quem o seguraria pela frente

e lhe furaria as narinas para ne­las passar argolas?

25Poderás apanhar o crocodilo com um anzol,

e atar-lhe a língua com uma corda?

26Serás capaz de lhe passar um jun­co pelas narinas,

ou de furar-lhe as mandíbulas com um gancho?

27Acaso te fará muitas súplicas

e te dirigirá palavras ternas?

28Fará aliança contigo

para fazeres dele teu escravo per­pétuo?

29Brincarás com ele como um pás­saro,

ou atá-lo-ás para divertir as tuas filhas?

30Será que os pescadores o vão ven­­der

e o dividem entre vários nego­cian­tes?

31Crivarás a sua pele de dardos

e enterrarás o arpão na sua ca­beça?

32Põe-lhe a mão em cima;

vais-te lembrar da luta e não re­petirás.»

Capítulo 41

Ainda sobre o crocodilo

1«Esperar vencer o crocodilo é um en­gano;

mal ele aparece, cai-se por terra.

2Ninguém se atreve a provocá-lo;

quem lhe resistirá de frente?

3Quem o pode acometer e sair com vida?

Ninguém, debaixo do céu!

4Não deixarei de falar da forma dos seus membros;

direi que o seu vigor é incom­pa­rável.

5Quem jamais o despojou da sua couraça?

Quem penetrou na dupla fila dos seus dentes?

6Quem abriu as portas da sua boca?

Os seus dentes infundem terror!

7O seu dorso está revestido de es­cudos,

cujas juntas estão estreitamente ligadas;

8uma encaixa na outra;

nem o ar passa entre elas;

9estão tão unidas entre si e tão bem travejadas,

que não podem separar-se.

10Os seus espirros relampejam fogo,

os seus olhos são como clarões da aurora.

11Da boca saem-lhe chamas

como archotes ardentes.

12As narinas deitam fumo,

como uma panela que ferve ao fogo.

13O seu hálito queima como brasa

e a sua boca lança chamas.

14No seu pescoço reside a força

e, diante dele, tremem de espanto!

15Os seus músculos estão bem li­ga­dos

e bem constituídos; nada os de­move.

16O seu coração é duro como pedra,

e sólido como a mó fixa dum moi­nho.

17Quando se levanta, tremem os heróis,

e cheios de medo, afastam-se.

18A espada que investe contra ele não resiste,

nem a lança, nem os dardos, nem as flechas.

19O ferro para ele é como palha,

o bronze, como madeira carco­mida.

20A flecha não o obriga a fugir,

as pedras da funda são como pa­lhinhas para ele.

21O martelo, para ele, é como pa­lha;

ri-se do sibilar dos dardos.

22O seu ventre é coberto de escamas pontiagudas

que deixam um rasto marcado so­bre a lama.

23Faz ferver o abismo como uma marmita

e transforma o mar num caldei­rão.

24Deixa atrás de si um caminho lu­minoso,

como se o abismo tivesse uma ca­beleira branca.

25Não há na terra quem lhe seja semelhante,

pois foi feito para não ter medo.

26Olha de frente tudo o que é grande,

é o rei de todos os animais fero­zes.»

Capítulo 42

Últimas palavras de Job

1Job respondeu ao Senhor e disse:

2«Sei que podes tudo

e que nada te é impossível.

3Quem é que obscurece assim o de­sígnio divino,

com palavras sem sentido?

De facto, eu falei de coisas que não entendia,

de maravilhas que superavam o meu saber.

4Eu dizia: ‘Escuta-me, deixa-me falar!

Vou interrogar-te e Tu me res­pon­derás.’

5Os meus ouvidos tinham ouvido falar de ti,

mas agora vêem-te os meus pró­prios olhos.

6Por isso, retracto-me e faço peni­tência,

cobrindo-me de pó e de cinza.»


7Depois que acabou de dirigir es­tas palavras a Job, o Senhor disse a Elifaz de Teman: «Estou indignado contra ti e contra os teus amigos, por­que não falaste com rectidão na mi­nha presença, como Job, meu ser­vo. 8Tomai, pois, sete toiros e sete car­nei­ros e ide procurar o meu servo Job. Oferecei por vós estes holo­caus­tos, e o meu servo Job intercederá por vós. Em atenção a ele, não vos cas­tigo, por não terdes falado recta­mente de mim, como o meu servo Job.»

9Elifaz de Teman, Bildad de Chua e Sofar de Naamá foram e fizeram como o Senhor lhes ordenara, e o Senhor atendeu às orações de Job. 10Enquanto Job rezava pelos seus amigos, o Senhor restituiu-o ao seu primeiro estado e aumentou, no do­bro, tudo o que antes possuía. 11Todos os seus irmãos, todas as suas irmãs e todos os seus conhecidos de ou­tro­ra vieram visitá-lo e comeram com ele à mesa, em sua casa. Con­gra­tularam-se com ele e consolaram-no de todas as desgraças que o Senhor tinha feito cair sobre ele; e cada um deles ofereceu-lhe uma moeda de prata e um anel de ouro.

12O Senhor abençoou a nova con­dição de Job, mais do que a antiga, e Job chegou a possuir catorze mil ovelhas, seis mil camelos, mil jun­tas de bois e mil jumentas. 13Teve tam­bém sete filhos e três filhas; 14à pri­meira pôs-lhe o nome de Jemima, à segunda, Que­cia e à terceira, Qué­ren-Hapuc. 15Em toda a terra não havia mulheres mais formosas que as fi­lhas de Job. E o pai deu-lhes uma parte da he­rança entre os seus irmãos. 16De­pois disto, Job viveu ainda cento e qua­renta anos e viu os seus filhos e os filhos dos seus filhos, até à quar­ta geração. 17Depois Job morreu velho e satisfeito com os dias vividos.

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