Capítulo 1

Homem justo e temente a Deus 1Havia, na terra de Uce, um ho­mem chamado Job. Era um homem íntegro e recto, que temia a Deus e se afastava do mal. 2Tinha sete filhos e três filhas. 3Possuía sete mil ove­lhas, três mil camelos, qui­nhen­tas juntas de bois, quinhen­tas jumentas e uma grande quan­ti­dade de escravos. Este homem era o mais importante de to­dos os ho­mens do Oriente.

4Os seus filhos costuma­vam ir, cada dia, à casa uns dos outros, para fazerem ban­que­tes, e manda­vam con­­vidar as suas três irmãs para come­rem e beberem com eles. 5Quando acabava a série dos dias de festim, Job man­dava chamar os filhos para os puri­ficar e, levan­tando-se na ma­nhã seguinte, ofere­cia um holo­causto por cada um deles, porque, dizia ele: «Talvez os meus filhos tenham pe­cado, ofen­dendo a Deus no seu cora­ção.» Assim fazia Job todas as vezes.


As primeiras provações6Um dia em que os filhos de Deus se apresentavam diante do Senhor, o acusador, Satan, foi também junto com eles. 7O Senhor disse-lhe: «Don­de vens tu?» Satan respondeu: «Ve­nho de dar uma volta ao mundo e per­­corrê-lo todo.» 8O Senhor disse-lhe: «Reparaste no meu servo Job? Não há ninguém como ele na terra: ho­mem íntegro, recto, que teme a Deus e se afasta do mal.» 9Satan respon­deu ao Senhor: «Porventura Job te­me a Deus desinteressadamente? 10Não ro­deaste Tu com uma cerca protec­tora a sua pessoa, a sua casa e todos os seus bens? Abençoaste o trabalho das suas mãos, e os seus rebanhos cobrem toda a região. 11Mas se es­ten­deres a tua mão e tocares nos seus bens, verás que te amaldi­çoa­rá, mesmo na tua frente.» 12Então, o Senhor disse a Sa­tan: «Pois bem, tudo o que ele possui deixo-o em teu poder, mas não esten­das a tua mão contra a sua pessoa.» E Satan saiu da presença do Senhor.

13Ora, um dia em que os filhos e filhas de Job estavam à mesa e be­biam vinho na casa do irmão mais velho, 14um mensageiro foi dizer a Job: «Os bois lavravam e as jumen­tas pastavam perto deles. 15De re­pente, apareceram os sabeus, rou­ba­­­ram tudo e passaram os servos a fio de espada. Só escapei eu para te tra­zer a notícia.» 16Estava ainda este a falar, quando chegou outro e disse: «Um fogo terrível caiu do céu; quei­mou e reduziu a cinzas ovelhas e pas­­tores. Só escapei eu para te tra­zer a notícia.»

17Falava ainda este, e eis que chegou outro e disse: «Os cal­deus, divididos em três grupos, lan­ça­ram-se sobre os camelos e leva­ram-nos, depois de terem passado os ser­vos a fio de espada. Só eu con­segui esca­par, para te trazer a notí­cia.»

18Ainda este não acabara de falar, e eis que en­trou outro e disse: «Os teus filhos e as tuas filhas esta­vam a comer e a beber vinho na casa do irmão mais velho 19quando, de re­pente, um fura­cão se levantou do outro lado do deserto e abalou os quatro cantos da casa, que desabou sobre os jovens. Morreram todos. Só eu consegui esca­par, para te trazer a notícia.»


Fidelidade de Job20Então, Job levantou-se, rasgou as vestes e ra­pou a cabeça. Depois, prostrado por terra em adoração, 21disse:

«Saí nu do ventre da minha mãe
e nu voltarei para lá.
O Senhor mo deu, o Senhor mo tirou;
bendito seja o nome do Senhor!»

22Em tudo isto, Job não cometeu pecado, nem proferiu contra Deus nenhuma insensatez.

Capítulo 2

Novas provações1E aconte­ceu que um dia em que os filhos de Deus se foram apresentar diante do Senhor, Satan apareceu também junto com eles na presença do Se­nhor. 2O Senhor perguntou-lhe: «Donde vens tu?» Satan respondeu: «Venho de dar a volta ao mundo e percorrê-lo todo.» 3O Senhor disse-lhe: «Reparaste no meu servo Job? Não há ninguém como ele na terra: homem íntegro, recto, que teme a Deus e se afasta do mal; ele perse­vera na sua integridade, apesar de me teres incitado contra ele, para o aniquilar sem motivo.» 4Satan res­pondeu: «Pele por pele! O homem dará tudo o que tem para salvar a própria vida. 5Mas experimenta es­ten­der a tua mão, toca nos seus os­sos e na sua carne e verás como ele te amaldiçoará, mesmo na tua fren­te.» 6O Senhor disse a Satan: «Pois bem, aí tens Job ao alcance da tua mão; mas poupa-lhe a vida.»

7Satan retirou-se da presença do Senhor e atingiu Job com uma lepra maligna, desde a planta dos pés até ao alto da cabeça. 8E Job pegou num caco de telha para se ras­par com ele e ficava sentado sobre a cinza.

9A sua mu­lher disse-lhe: «Per­sis­tes ainda na tua integridade? Amal­­diçoa a Deus e morre de uma vez!» 10Respondeu-lhe Job: «Falas como uma insen­sata. Se recebemos os bens da mão de Deus, não acei­tare­mos também os males?» Com tudo isto, Job não pecou pelas suas palavras.


Os três amigos de Job11Três amigos de Job – Elifaz de Teman, Bil­dad de Chua e Sofar de Naamá – ao saberem das desgraças que lhe tinham sucedido, partiram cada um da sua terra e combinaram juntar-se, a fim de compartilharem a sua dor e o consolarem. 12E quando de longe le­vantaram os olhos, não o reco­nhe­ceram; puseram-se então a chorar, rasgaram as suas vestes e es­palha­ram pó sobre as suas cabe­ças. 13Fi­ca­ram sentados no chão, ao lado dele, sete dias e sete noites, sem lhe dizer palavra, pois viram que a sua dor era demasiado grande.

Capítulo 3

Job: a infelicidade de ter nas­cido

1Por fim, Job abriu a boca e amaldiçoou o dia do seu nasci­mento.

2Tomou a palavra e disse:

3«Desapareça o dia em que nasci e a noite em que foi dito:

‘Foi con­cebido um varão!’

4Converta-se esse dia em trevas!

Deus, lá do alto, não se preocupe com ele

nem a luz o venha iluminar.

5Apoderem-se dele as trevas e a escuridão.

Que as nuvens o envolvam

e os eclipses o apavorem!

6Que a sombra domine essa noite;

não se mencione entre os dias do ano

nem se conte entre os meses!

7Seja estéril essa noite

e não se ouçam nela brados de alegria.

8Amaldiçoem-na os que abomi­nam o dia

e estão prontos a despertar Levia­tan!

9Escureçam as estrelas da sua ma­drugada;

que em vão espere a luz do dia,

nem possa ver abrirem-se as pál­pebras da aurora,

10já que não me fechou a saída do ventre

nem afastou a miséria dos meus olhos!

11Porque não morri no seio da mi­nha mãe

ou não pereci ao sair das suas entranhas?

12Porque encontrei joelhos que me acolheram

e seios que me amamentaram?

13Estaria agora deitado em paz,

dormiria e teria repouso

14com os reis e os grandes da terra,

que constroem mausoléus para si;

15com os príncipes que amontoam ouro

e enchem de dinheiro as suas ca­sas.

16Ou como um aborto escondido,

eu não teria existido,

como um feto que não viu a luz do dia.

17Ali, os maus cessam as suas per­versidades,

ali, repousam os que esgotaram as suas forças.

18Ali, estão tranquilos os cativos,

que já não ouvem a voz do guarda.

19Ali, estão juntos os pequenos e os grandes,

e o escravo fica livre do seu se­nhor.

20Por que razão foi dada luz ao infeliz,

e vida àqueles para quem só há amargura?

21Esses esperam a morte que não vem

e a procuram mais do que um tesouro;

22esses saltariam de júbilo

e se alegrariam por chegar ao sepulcro.

23Porque vive um homem cujo ca­minho foi barrado

e a quem Deus cerca por todos os lados?

24Em lugar de pão, engulo os meus soluços,

e os meus gemidos derramam-se como a água.

25Todos os meus temores caíram sobre mim

e aquilo que eu temia veio atin­gir-me.

26Não tenho paz nem descanso,

os tormentos impedem-me o re­pouso.»

Capítulo 4

Elifaz: Deus corrige

1Elifaz de Teman tomou a pa­la­vra e disse:

2«Se alguém te falasse, irias su­por­tar?

Mas quem poderá conter as pala­vras?

3Tu, antes, exortaste a muita gente,

fortaleceste muitas mãos débeis.

4As tuas palavras eram o apoio dos vacilantes

e fortalecias os joelhos trémulos.

5Mas, agora que te toca a ti, des­fa­leces?

Agora que és atingido, pertur­bas-te?

6Não é a tua piedade a tua con­fiança,

e a integridade da tua vida, a tua segurança?

7Lembra-te disto: qual o ino­cen­te que já pereceu?

Ou quando foram exterminados os justos?

8Sempre vi que os que praticam a iniquidade

e semeiam a maldade colhem os seus frutos.

9A um sopro de Deus, perecem,

destruídos pelo furor da sua in­dignação.

10Ruge o leão e o seu rugido é aba­fado;

os dentes dos leõezinhos são que­brados.

11O leão morreu porque não tinha presa,

e os filhotes da leoa dispersaram-se.

12Escutei em segredo uma pala­vra,

e o meu ouvido percebeu o seu murmúrio.

13Na confusão das visões da noite,

quando os homens dormem num sono profundo,

14o medo e o terror apoderaram-se de mim

e sacudiram todos os meus ossos;

15um sopro perpassou pelo meu rosto

e arrepiaram-se-me todos os pêlos do corpo!

16Estava alguém diante de mim,

uma figura silenciosa cujo rosto não reconheci;

mas ouvi uma voz que dizia:

17‘Pode um homem ser justo na pre­sença de Deus,

ou um mortal ser puro diante do seu Criador?’

18Ele não confia nem nos seus pró­prios servos,

e até mesmo nos seus anjos en­contra defeitos;

19quanto mais nos que habitam mo­radas de barro

e cujo suporte é o pó da terra!

20São esmagados como um verme,

e aniquilados da noite para a ma­nhã.

Desaparecem para sempre sem deixar memória.

21Eis que já foi arrancada a corda da sua tenda;

morrem sem terem conhecido a sabedoria.»

Capítulo 5

A sorte do insensato

1«Chama para ver se te respon­dem;

a qual dos santos te dirigirás?

2A ira mata o insensato,

e a inveja mata o imbecil.

3Vi o insensato lançar raízes,

mas a sua morada foi logo amal­diçoada.

4Os seus filhos são privados de qual­quer socorro,

são pisados à porta sem que nin­guém os defenda.

5Os famintos devoram as suas co­lheitas

e até entre os espinhos as reco­lhem;

os ambiciosos absorvem-lhe as ri­­quezas.

6Pois a maldade não nasce do chão,

a iniquidade não brota da terra.

7É do homem que vem a iniqui­dade

como do fogo saem as chispas a voar.

8Por isso, voltar-me-ei para Deus

e nas suas mãos porei a minha causa.

9Ele fez grandes e insondáveis coi­sas,

maravilhas incalculáveis;

10Ele derrama a chuva sobre a terra

e envia as águas sobre os cam­pos;

11ajuda a levantar os humilhados

e dá segurança aos que estão aflitos;

12desfaz os projectos dos maus,

e as mãos deles não executam os seus planos;

13apanha os sábios nas suas pró­prias redes

e frustra os desígnios dos astu­tos;

14em pleno dia encontram as tre­vas

e, como se fosse de noite,

andam às apalpadelas ao meio-dia.

15Protege o fraco da espada afia­da da língua deles

e o pobre da mão do poderoso.

16O infeliz recobra a sua esperança,

e é fechada a boca dos malvados.

17Feliz o homem a quem Deus cor­­rige!

Não desprezes a lição do Todo-Poderoso.

18Ele é quem faz a ferida e quem a cura;

Ele fere e cura com as suas mãos.

19Seis vezes te salvará da angús­tia,

e, na sétima, o mal não te atin­girá.

20Em tempo de fome, preservar-te-á da morte

e, em tempo de guerra, dos gol­pes da espada.

21Preservar-te-á do açoite da lín­gua,

e não temerás quando vier a ruína.

22Rir-te-ás da devastação e da fome,

e não temerás os animais fero­zes.

23Farás aliança com as pedras do campo,

e os animais selvagens viverão em paz contigo.

24Dentro da tua tenda conhecerás a paz,

e visitarás os teus apriscos, onde nada falta.

25Verás multiplicar-se a tua des­cen­dência

e os teus rebentos crescer como a erva dos campos.

26Descerás, amadurecido, ao se­pul­­cro,

como um feixe de trigo maduro, a seu tempo.

27Foi isto o que observámos e con­firmámos.

Presta atenção e tira proveito.»

Capítulo 6

Job: queixas contra os ami­gos

1Então Job tomou a palavra e disse:

2«Ah! Se eu pudesse pesar a mi­nha aflição

e pôr na balança o meu infor­tú­nio!

3Este pesaria mais do que a areia dos mares!

Por isso, as minhas palavras se descontrolam;

4pois as setas do Todo-Poderoso vêm contra mim

e o meu espírito absorve o ve­neno delas.

O terror do Senhor assedia-me.

5Porventura zurra o asno montês diante da erva?

Ou muge o touro junto da sua for­ragem?

6Come-se um manjar insípido, sem sal?

Ou que gosto pode haver numa clara de ovo?

7Por isso a minha alma recusa estar tranquila;

está perturbada pela enfermi­dade do meu corpo.

8Quem me dera se realizasse a mi­nha petição

e que Deus me concedesse o que espero!

9Prouvera que Deus me esma­gasse,

deixasse cair a sua mão e me des­truísse.

10Isso seria uma consolação para mim

e exultaria no meio dos meus tor­mentos,

porque não reneguei as palavras do Santo.

11Quais são as minhas forças para resistir?

Que objectivo me prolongaria o desejo de viver?

12Será que eu tenho a fortaleza das pedras,

e será de bronze a minha carne?

13Não encontro nenhum socorro,

e o sucesso está fora do meu al­cance.

14O desalentado precisa da com­preensão de um amigo,

se não, abandona o temor do Po­deroso.

15Os meus irmãos atraiçoaram-me como uma torrente,

como as águas das torrentes desa­pareceram,

16tornando-se turvas pelo degelo

e arrastando consigo a neve.

17No tempo da seca, elas desapa­re­cem,

ao vir o calor, extinguem-se no seu leito.

18As caravanas desviam-se da sua rota,

avançam no deserto e desapare­cem;

19as caravanas de Teman esprei­ta­vam

e os mercadores de Sabá espera­vam por elas;

20confundidos na sua espe­rança,

chegaram ao lugar e ficaram desi­­ludidos.

21Assim fostes vós, nesta hora, para mim.

À vista do meu infortúnio atemo­rizais-vos.

22Porventura eu vos disse: ‘Trazei-me

e dai-me dos vossos bens,

23livrai-me do poder do inimigo,

e resgatai-me da mão dos opres­sores?

24Ensinai-me e eu escutarei em si­lêncio,

mostrai-me em que é que eu errei.’

25Como são eficazes as palavras ver­dadeiras!

Mas em que podereis vós censu­rar-me?

26Pretendeis censurar-me por pala­­vras ditas?

Palavras desesperadas leva-as o vento.

27Seríeis capazes de leiloar um órfão,

de vender o vosso amigo!

28Agora, peço-vos, olhai para mim;

face a face, assim, não poderei mentir.

29Vinde, pois, não sejais injustos.

Vinde, estou inocente em tudo isto!

30Haverá porventura falsidade na minha língua?

O meu paladar não saberá dis­cer­nir o que não presta?»

Capítulo 7

Dificuldades na vida do ho­mem

1«A vida do homem sobre a terra, não é ela uma luta?

Não são os seus dias como os de um assalariado?

2Como um escravo suspira pela sombra,

e o jornaleiro espera o seu sa­lário,

3assim eu tive por quinhão meses de sofrimento,

e couberam-me em sorte noites cheias de dor.

4Se me deito, digo: ‘Quando che­gará o dia?’

Se me levanto: ‘Quando virá a tarde?’

E encho-me de angústia até che­gar a noite.

5A minha carne cobre-se de podri­­dão e imundície,

a minha pele está gretada e su­pura.

6Os meus dias passam mais rá­pido que a lançadeira

e desaparecem sem deixar espe­rança.

7Lembra-te de que a minha vida é um sopro,

e os meus olhos não voltarão a ver a felicidade.

8Os olhos de quem me via não mais me verão,

os teus olhos procurar-me-ão e eu já não existirei.

9Como a nuvem que passa e desa­parece,

assim o que desce ao sepulcro não se erguerá.

10Não voltará outra vez à sua casa;

o seu lar não mais o reconhecerá.

11Por isso, não reprimirei a mi­nha língua,

falarei da angústia do meu espí­rito,

queixar-me-ei da amargura da mi­nha alma:

12acaso sou eu o mar ou um mons­tro marinho,

para que te ponhas de guarda con­tra mim?

13Se eu disser: ‘Estarei confor­tado no meu leito,

e a minha cama aliviará o meu sofrimento’,

14então, Tu enches-me de sonhos aterradores,

e de visões horrorosas.

15Preferia morrer estrangulado;

antes a morte que os meus tor­mentos!

16Sucumbo, não viverei mais;

deixai-me, que os meus dias são apenas um sopro.

17Que é o homem, para lhe dares importância

e fixares nele a tua atenção,

18para que o observes todas as ma­nhãs

e o proves a cada instante?

19Quando afastarás de mim o teu olhar,

e deixarás que eu engula a mi­nha saliva?

20Que pecado cometi contra ti,

ó juiz dos homens?

Porque me tomas por teu alvo,

quando nem a mim mesmo me posso suportar?

21Porque não retiras o meu pe­cado

e não apagas a minha culpa?

Eis que vou dormir no pó;

procurar-me-ás e já não existi­rei.»

Capítulo 8

Bildad: as faltas e o castigo

1Bildad de Chua tomou a pala­vra e disse:

2«Até quando dirás semelhantes coi­sas?

As palavras da tua boca são como um furacão.

3Acaso tornará Deus torto o que é direito,

e o Todo-Poderoso subverterá a justiça?

4Se os teus filhos pecaram contra Ele,

Ele entregou-os ao poder da sua iniquidade.

5Mas, se recorreres a Deus

e implorares ao Todo-Poderoso,

6se fores puro e recto,

desde agora Ele velará sobre ti,

e restabelecerá a tua morada com justiça.

7A tua condição anterior pare­cerá modesta

diante da grandeza da tua condi­ção futura.

8Interroga as gerações passadas

e considera a experiência dos an­te­­­­­passados.

9Pois somos de ontem e nada sa­bemos;

a nossa vida sobre a terra passa como uma sombra;

10eles instruir-te-ão e falarão con­tigo,

e tirarão sentenças do seu cora­ção.

11Acaso pode brotar o papiro fora do pântano,

e o junco crescer sem água?

12Ainda verde, sem que a mão o toque,

ele seca antes das outras ervas.

13Esta é a sorte dos que esque­cem a Deus.

A esperança do ímpio desvanecer-se-á.

14A sua esperança ser-lhe-á arran­cada;

a sua segurança é uma teia de aranha.

15Ele apoia-se numa casa que se desmorona,

numa morada que não tem con­sistência.

16Parece uma planta viçosa, ao sol,

que estende os seus ramos no jar­dim.

17As suas raízes multiplicam-se por entre as pedras,

e vive no meio de penhascos.

18Mas, se é arrancado do seu lugar,

este renegá-lo-á dizendo: ‘Nunca te vi.’

19Esta é a sorte que o espera,

e outros rebentos germinarão do solo.

20Porém, Deus não abandona o ho­mem íntegro,

nem dá a mão aos malvados.

21Ele encherá a tua boca de sor­risos,

e de júbilo os teus lábios.

22Os teus inimigos ficarão cober­tos de vergonha,

e a tenda dos maus não subsis­tirá.»

Capítulo 9

Job: o confronto com Deus

1Job respondeu, dizendo:

2«Na verdade, eu sei que é as­sim:

Como poderia o homem justifi­car-se diante de Deus?

3Se quisesse discutir com Ele,

não lhe responderia uma vez en­tre mil.

4Quem é sábio de coração, forte e poderoso

para lhe poder resistir impune­mente?

5Ele desloca os montes, sem se dar por isso,

e desmorona-os na sua cólera.

6Ele sacode a terra do seu lugar,

e abala-lhe as colunas.

7Ordena ao Sol, e o Sol não nasce,

e guarda as estrelas fechadas com o selo.

8Ele sozinho formou a extensão dos céus

e caminha sobre as ondas do mar.

9Ele criou a Ursa Maior, o Orion, as Plêiades

e os segredos do céu austral.

10Ele fez grandes e insondáveis ma­ravilhas,

prodígios incalculáveis.

11Passa diante de mim e eu não o vejo,

afasta-se de mim e não me aper­cebo.

12Se apanha uma presa, quem lha arrebatará?

Quem lhe poderá dizer: ‘Porque fazes isso?’

13Deus não reprime a sua cólera;

diante dele curvam-se as legiões de Raab.

14Quem sou eu para lhe replicar

e rebuscar argumentos contra Ele?

15Ainda que tivesse razão não lhe responderia;

imploraria misericórdia para a minha causa.

16Se o chamasse e Ele me respon­desse,

não acreditaria que tivesse ou­vido a minha voz.

17Ele pode esmagar-me facil­mente

e multiplicar as minhas feridas sem motivo.

18Não me deixaria tomar alento,

mas encher-me-ia de amargura.

19Se é pela força, Ele é mais forte;

se é pelo direito, quem o poderá determinar?

20Mesmo que eu tivesse razão,

a sua boca condenar-me-ia;

se fosse inocente, Ele me incri­mi­naria.

21Sou inocente! Mas não me preo­cupo comigo mesmo.

Eu desprezo a minha vida!

22Uma só coisa quero afirmar:

Ele extermina tanto o inocente como o malvado.

23Se, de repente, um flagelo cau­sa a morte,

Ele ri-se do desespero dos ino­centes.

24Deixa a terra entregue às mãos do ímpio,

e cobre o rosto dos seus juízes;

se não é Ele, quem é, pois?

25Os meus dias passaram mais rápi­dos que um corcel,

fugiram sem terem visto a felici­dade.

26Passaram velozes como barcas de junco,

como a águia que se precipita so­bre a presa.

27Se digo: ‘Vou esquecer os meus ge­midos,

abandonar o meu ar triste e vol­tar a ser alegre’,

28temo todos os meus tormentos,

sabendo que Tu não me perdoas.

29Se me consideram culpado,

que adianta cansar-me em vão?

30Por mais que me lavasse com águas de neve,

e purificasse as minhas mãos com lixívia,

31Tu me submergirias na imun­dície,

e as minhas vestes teriam nojo de mim.

32Ele não é um homem como eu, para eu lhe responder,

e comparecermos os dois em juízo.

33Entre nós não há um árbitro

que se possa interpor entre am­bos;

34que Deus retire a sua vara de cima de mim,

para que não me assombre com o seu terror.

35Então, falar-lhe-ia sem temor,

pois, por mim, não tenho motivos para temer.»

Capítulo 10

Aflição e humildade de Job

1«A minha alma tem aversão à vida!

Darei livre curso ao meu lamento,

falarei da amargura do meu cora­ção.

2Direi a Deus: ‘Não me condenes!

Mostra por que me afliges assim.

3Acaso encontras prazer em opri­mir-me,

em desdenhar a obra das tuas mãos

e em favorecer os desígnios dos malvados?

4Terás olhos de homem,

e verás as coisas como as vêem os humanos?

5Acaso os teus dias são como os de um mortal,

e os teus anos, como os dos hu­manos,

6para que investigues a minha culpa

e indagues sobre o meu pecado,

7quando sabes que não sou cul­pado

e que ninguém me pode livrar das tuas mãos?

8Foram as tuas mãos que me for­maram e modelaram

e, de repente, vais aniquilar-me?

9Lembra-te de que me formaste com o barro;

vais fazer-me agora voltar ao pó?

10Não me espremeste como o leite,

coagulando-me como quem faz queijo?

11De pele e de carne me reves­tiste,

de ossos e de nervos me conso­li­daste.

12Deste-me a vida e favoreceste-me;

a tua providência conservou-me o alento.

13Ainda que escondas estas coi­sas no teu coração,

sei que tinhas presente tudo isto:

14se peco, Tu vês tudo,

e não perdoarás o meu pecado;

15se prevarico, ai de mim!

Se sou inocente, não ousarei le­vantar a cabeça,

cheio de vergonha e de miséria.

16Se me levanto, dás-me caça como um leão,

e voltas a mostrar contra mim o teu poder.

17Renovas contra mim os teus as­sal­­tos,

e redobras contra mim o teu fu­ror;

vigorosas tropas me combatem.

18Porque me tiraste do ventre de minha mãe?

Teria morrido, sem que ninguém me visse.

19Seria como se nunca tivesse exis­tido,

levado do ventre para o sepulcro.

20Não são breves os dias da minha vida?

Que Deus se afaste e me deixe,

para que eu tenha um pouco de conforto,

21antes de partir, para não mais voltar,

para a região das trevas e da es­curidão,

22terra tenebrosa e sombria,

de escuridão e confusão,

onde a própria luz é sombra.’»

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