Capítulo 31
A riqueza - 1As vigílias para enriquecer consomem o corpo; as preocupações que elas trazem, tiram o sono. 2Os cuidados da vida perturbam o sossego, e a doença grave afasta o sono. 3O rico trabalha para juntar riquezas, e, quando se entrega ao repouso, goza o fruto dos seus bens. 4O pobre trabalha consumindo a sua vida, e, quando descansa, sofre miséria. 5Aquele que ama o ouro, não estará isento do pecado, e aquele que busca a corrupção será cheio dela. 6Muitos arruinaram-se por amor do ouro e caíram na desgraça. 7O ouro é um obstáculo para os que lhe sacrificam; por sua causa, perecerá o insensato. 8Bem-aventurado o rico que foi achado sem mácula, que não correu atrás do ouro. 9Quem é este homem, para que o felicitemos? Realmente fez coisas maravilhosas no meio do seu povo. 10Quem foi posto à prova e permaneceu perfeito? Isto será para ele motivo de glória! Quem podia transgredir a lei e não a transgrediu, fazer o mal e não o fez? 11Os seus bens serão consolidados e a assembleia proclamará os seus benefícios. Os banquetes 12Sentaste-te a uma mesa abastecida? Não abras a boca para a louvar e não digas: «Que abundância de iguarias há sobre ela!» 13Lembra-te de que um olhar invejoso é coisa funesta. Que coisa há pior do que o olho invejoso? Por um nada se põe a chorar. 14Para onde ele olhar, não estendas a mão, e não corras, ao mesmo tempo que ele, para o mesmo prato. 15Pelos teus desejos, aprende a conhecer os do próximo e reflecte sobre tudo aquilo que fazes. 16Serve-te como um homem sóbrio do que te é apresentado, para que não te tornes odioso, comendo muito. 17Sê o primeiro a acabar de comer em sinal da tua boa educação, e evita todo o excesso, para que não desgostes ninguém. 18Se tiveres tomado assento entre muitas pessoas, não sejas o primeiro a estender a mão para o prato. 19Quão pouco é suficiente para um homem bem educado! Assim, quando dormires, não te causará desassossego. 20O homem sóbrio tem um sono salutar; levanta-se pela manhã e sente-se bem. Insónia, mal-estar e cólicas são tributos do homem intemperante. 21Se tiveres sido obrigado a comer demais, levanta-te e vomita: isso te aliviará. 22Ouve-me, filho, não me desprezes. No fim, reconhecerás a verdade das minhas palavras. Em todas as tuas acções sê diligente, e não virá sobre ti nenhuma enfermidade. 23Os lábios de muitos abençoarão aquele que dá de comer com liberalidade, e darão testemunho fiel da sua generosidade. 24Toda a cidade murmurará contra aquele que dá de comer com mesquinhez, e o testemunho da sua avareza é verdadeiro. 25Com o vinho não sejas fanfarrão, porque o vinho tem perdido muitos. 26O fogo põe à prova a dureza do ferro; assim o vinho dará a conhecer os corações, nas disputas dos arrogantes. 27O vinho é como a vida para os homens, se o beberes moderadamente. Que vida é a do homem a quem falta o vinho? Ele foi criado para alegria dos homens. 28Alegria do coração e júbilo da alma é o vinho, bebido a seu tempo e moderadamente. 29O vinho é a amargura da alma, quando bebido em demasia e na efervescência da paixão. 30A embriaguez aumenta o furor do insensato para a sua perda, diminui as forças e ocasiona feridas. 31Durante uma refeição em que se beba, não repreendas o próximo e não o desprezes, no calor da sua alegria. Não lhe dirijas censuras nem o apertes com qualquer reclamação.
Capítulo 32
1Puseram-te a presidir? Não te envaideças por isso. Sê no meio dos outros como qualquer um deles. Ocupa-te deles, e depois disso, senta-te. 2Provê a cada um o necessário, e a seguir senta-te, para que te regozijes com os outros e recebas a coroa pela boa ordem. 3Ó ancião, fala como convém à tua idade, mas fala com discrição e acerto, e não impeças a música. 4Durante uma audição, não te alongues em discursos e não faças, inoportunamente, ostentação de sabedoria. 5Como um rubi em engaste de ouro, assim é a música no meio do festim. 6Como um camafeu de esmeralda num engaste de ouro, assim é a música, acompanhada de bom vinho. 7Fala, ó jovem, se te é necessário, se insistentemente te perguntarem ao menos duas vezes. 8Sê conciso no teu falar: muitas coisas em poucas palavras; sê como quem sabe e, ao mesmo tempo, se cala. 9No meio dos poderosos, não tomes demasiada liberdade e, onde houver anciãos, não fales muito. 10Vê-se o relâmpago, antes de se ouvir o trovão; assim a graça precede a modéstia. 11Chegada a hora levanta-te, não te demores; vai para tua casa e não andes a vagabundear. 12Em tua casa, diverte-te e faz o que quiseres, mas não peques com palavras insolentes. 13 E em tudo isto glorifica o teu Criador, que te cumula dos seus bens. Temor de Deus e amor da Lei 14Aquele que teme o Senhor aceitará a sua instrução, e os que o buscam desde a aurora encontram o seu favor. 15Aquele que busca a Lei enriquecer-se-á com ela, mas o que procede com falsidade, achará nela ocasião de ruína. 16Aqueles que temem ao Senhor, encontrarão a justiça, e farão brilhar como uma luz as suas boas acções. 17O homem pecador foge da repreensão, e encontra desculpas para apoiar os seus caprichos. 18O homem prudente não perde nenhuma ocasião para se instruir; o estranho e o soberbo não têm nenhum temor. 19Nada faças sem conselho, e não te arrependerás, depois de ter agido. 20Não te metas por um caminho acidentado, e não tropeçarás nas pedras. 21Não confies num caminho não explorado, 22e guarda-te dos teus próprios filhos. 23Em tudo o que fizeres, sê fiel a ti mesmo, pois nisto também está a observância dos mandamentos. 24Aquele que é fiel à Lei, observa os preceitos, e o que confia no Senhor, não sofrerá dano algum.
Capítulo 33
33 1Aquele que teme o Senhor, não sofrerá mal algum; na provação ele será salvo. 2O sábio não aborrece a Lei, mas quem finge observá-la será como um navio na tempestade. 3O homem sensato crê na Lei; ela é para ele digna de fé como um oráculo. O insensato e trocista 4Reflecte antes de responder e serás ouvido; concentra as tuas ideias e depois responde. 5Os sentimentos do insensato são como as rodas de um carro, e o seu pensamento é semelhante a um eixo que gira. 6O amigo zombador é como um garanhão, que relincha debaixo de qualquer cavaleiro. Desigualdade de condições 7Porque é que um dia prevalece sobre outro dia, já que a luz de todos os dias do ano provém do Sol? 8Foi a ciência de Deus que os diferenciou, foi Ele quem distinguiu as estações e as festas. 9Ele elevou e consagrou alguns, e pôs outros no número dos dias comuns. 10Os homens também vêm todos do pó, e é da terra que Adão foi criado. 11Na sua grande sabedoria, o Senhor distinguiu-os e diversificou os seus destinos. 12A uns abençoou e exaltou, a outros santificou e tomou para si; a outros amaldiçoou e humilhou, e derrubou-os do seu lugar. 13Como o barro está nas mãos do oleiro, que o molda a seu bel-prazer, assim o homem está nas mãos do seu Criador, que lhe retribuirá segundo o seu juízo. 14Diante do mal está o bem, diante da morte, a vida; assim também diante do homem piedoso está o pecador. 15Considera assim todas as obras do Altíssimo, duas a duas, e uma oposta à outra. Breve epílogo do autor 16Também eu, último a chegar, vigiei, e fiz como o que junta os bagos, depois da vindima. 17Com a bênção de Deus, progredi e enchi o lagar como o vindimador. 18Olhai que eu não trabalhei só para mim, mas para todos os que buscam a instrução. 19Ouvi-me, ó grandes do povo, e vós, os que presidis à assembleia, escutai-me. Distribuição dos bens 20Ao teu filho, à tua mulher, ao teu irmão, ao teu amigo, não concedas autoridade sobre ti, durante a tua vida. Não dês os teus bens aos outros, não te venhas a arrepender e teres de tornar a pedir-lhos. 21Enquanto viveres e respirares, não te deixes dominar por ninguém, 22porque é melhor que os teus filhos te peçam, do que estares tu a olhar para as mãos deles. 23Em tudo o que fizeres, conserva a tua autoridade; e não manches a tua reputação. 24No fim da tua vida, no tempo da tua morte, repartirás a tua herança. Os servos 25Para o asno, forragem, vara e carga; para o servo, pão, correcção e trabalho. 26Faz trabalhar o teu servo e estarás descansado; afrouxa-lhe a mão, e buscará a liberdade. 27O jugo e as rédeas fazem dobrar o pescoço, torturas e interrogatórios dobram o servo mau. 28Manda-o para o trabalho, a fim de que não esteja ocioso, porque a ociosidade ensina muita malícia. 29Ocupa-o com trabalho conveniente, mas se ele não te obedecer, atormenta-o com grilhões. 30Todavia não cometas excessos, seja com quem for, e não faças nada contra a justiça. 31Se tiveres um criado, estima-o como a ti mesmo, porque o adquiriste à custa do teu sangue. 32Se tiveres um doméstico, guia-o como um irmão, porque terás necessidade dele como de ti mesmo. 33Se o maltratares e ele fugir, por que caminho o hás-de procurar?
Capítulo 34
Loucura dos sonhos
1Vãs e enganosas são as esperanças dos insensatos, e os sonhos dão asas aos néscios. 2Como o que procura agarrar uma sombra ou perseguir o vento, assim é o que se prende a sonhos. 3O espelho e os sonhos são coisas semelhantes: o que neles se vê é irreal. 4Que coisa pura poderá vir do impuro? Que verdade poderá vir da mentira? 5A adivinhação, os augúrios e os sonhos são coisas vãs, como as que imagina a fantasia da mulher grávida. 6A não ser que o Altíssimo te visite, não faças caso dos sonhos. 7Os sonhos, com efeito, extraviaram a muitos, que se perderam, por terem posto neles a sua confiança. 8A palavra da Lei será integralmente cumprida, e a sabedoria é a perfeição na boca do homem fiel. Utilidade das viagens 9Aquele que viajou conhece muitas coisas, e o de grande experiência discorre sabiamente. 10Aquele que não tem experiência, pouca coisa sabe, mas o que viajou aumenta a sua habilidade. 11Vi muitas coisas nas minhas viagens, e o meu saber ultrapassa as minhas palavras. 12Algumas vezes, encontrei-me em perigo de morrer, mas fui livre dele, graças à experiência. Deus protege os que o temem 13O espírito daqueles que temem a Deus viverá, porque a sua esperança está posta naquele que os salva. 14Aquele que teme o Senhor nada temerá, nem terá medo, porque Ele é a sua esperança. 15Feliz aquele que teme o Senhor! Em quem há-de confiar e quem será o seu apoio? 16Os olhos do Senhor estão sobre os que o amam; Ele é um poderoso protector, um sólido apoio, um abrigo contra o calor, uma protecção contra o ardor do meio-dia, um sustentáculo contra o tropeção, um amparo contra a queda. 17Ele eleva a alma, alumia os olhos, dá saúde, vida e bênção. O culto agradável a Deus 18A oblação daquele que sacrifica bens mal adquiridos é imunda, e os presentes dos homens injustos não são agradáveis a Deus. 19O Altíssimo não aprova as dádivas dos ímpios; nem é pela abundância de sacrifícios que Ele perdoa os pecados. 20Imola o filho em presença do pai aquele que oferece sacrifícios com os bens dos pobres. 21O pão dos indigentes é a vida dos pobres; aquele que lho tira é um homicida. 22Quem tira a um homem o pão do seu trabalho, é como quem mata o seu próximo; e derrama sangue o que defrauda o salário do operário. 23Se um edifica e o outro destrói, que lhes resta senão fadiga? 24Se um faz oração e o outro amaldiçoa, de qual ouvirá Deus a voz? 25Se alguém se lava, depois de ter tocado num morto, e o toca outra vez, de que lhe serviu a ablução? 26Assim se porta o homem que jejua por causa dos seus pecados, e volta a cometê-los. Quem ouvirá a sua prece? E que lhe serviu ter-se mortificado?
Capítulo 35
1Aquele que observa a Lei faz numerosas oferendas; oferece sacrifício salutar o que guarda os preceitos. 2Aquele que se mostra generoso oferece flor de farinha, e o que usa de misericórdia oferece um sacrifício de louvor. 3Fugir do mal é o que agrada ao Senhor, e quem fugir da injustiça obtém o perdão dos pecados. 4Não te apresentes diante do Senhor com as mãos vazias, porque todos estes ritos obedecem a um preceito. 5A oblação do justo enriquece o altar, e o seu perfume sobe ao Altíssimo. 6O sacrifício do justo é aceitável, a sua memória não será esquecida. 7Dá glória a Deus com generosidade e não regateies as primícias das tuas mãos. 8Faz todas as tuas oferendas com semblante alegre, consagra os dízimos com alegria. 9Dá ao Altíssimo, segundo o que Ele te tem dado; dá com ânimo generoso, segundo as tuas posses, 10porque o Senhor retribuirá a dádiva, recompensar-te-á de tudo, sete vezes mais. 11Não procures corrompê-lo com presentes, porque não os aceitará; não te apoies num sacrifício injusto. 12pois o Senhor é um juiz, e não faz distinção de pessoas. 13O Senhor não fará acepção de pessoas em detrimento do pobre, e ouvirá a oração do oprimido. 14Não desprezará a oração do órfão, nem os gemidos da viúva. 15Não correm à viúva as lágrimas pela face, e o seu grito não se dirige contra aquele que as faz derramar? 16Aquele que adora a Deus com alegria será bem recebido, e a sua oração chegará até às nuvens. Castigo dos opressores de Israel 17A oração do humilde chegará às nuvens, e não se consolará, enquanto ela não chegar até Deus. 18Ele não se afastará, enquanto o Altíssimo não olhar, não fizer justiça aos justos e restabelecer a equidade. 19O Senhor não tardará nem terá paciência com os opressores, 20enquanto não lhes esmagar os rins e não fizer cair sobre as nações a sua vingança; 21enquanto não suprimir a multidão dos soberbos, e quebrar o ceptro dos iníquos; 22enquanto não retribuir aos homens, segundo as suas obras, e julgar as acções dos homens segundo as suas intenções; 23enquanto não fizer justiça ao seu povo e não o alegrar com a sua misericórdia. 24A misericórdia, no tempo da tribulação, é propícia, como nuvem de chuva no tempo da seca.
Capítulo 36
Oração pela restauração de Israel (Sl 74)
1«Tem piedade de nós, ó Senhor, Deus de todas as coisas; olha para nós e espalha o teu temor sobre todas as nações. 2Levanta a tua mão contra os povos estrangeiros, para que vejam o teu poder. 3Assim como diante dos seus olhos mostraste em nós a tua santidade, assim também, à nossa vista, mostra neles a tua grandeza. 4Que reconheçam, como também nós reconhecemos, que fora de ti, Senhor, não há outro Deus. 5Renova os teus prodígios, faz novos milagres, glorifica a tua mão e o teu braço direito, 6acende o teu furor e derrama a tua ira; destrói o adversário e aniquila o inimigo. 7Abrevia o tempo e lembra-te do juramento, para que se publiquem as tuas maravilhas. 8Seja consumido no fogo da ira o sobrevivente, e caiam na ruína aqueles que maltratam o teu povo. 9Esmaga a cabeça dos chefes inimigos que dizem: ‘Não há ninguém como nós!’ 10Reúne todas as tribos de Jacob, toma-as como tua herança, como no princípio. 11Tem piedade, Senhor, do teu povo, que foi chamado pelo teu nome, e de Israel, que trataste como filho primogénito. 12Tem piedade da cidade do teu santuário, de Jerusalém, lugar do teu repouso. 13Enche Sião do louvor das tuas maravilhas, e o teu povo com a tua glória. 14Dá testemunho a favor daqueles que, desde o princípio, são tuas criaturas, leva a efeito as profecias, em teu nome proferidas. 15Recompensa os que pacientemente esperam em ti, a fim de que os teus profetas sejam acreditados. 16Ouve, Senhor, a súplica dos teus servos, segundo a bênção de Aarão sobre o teu povo, 17e todos sobre a terra reconhecerão que Tu és Senhor, o Deus dos séculos.» Escolha da mulher 18O estômago recebe toda a qualidade de alimentos, mas entre os alimentos um é melhor que outro. 19O paladar distingue o gosto da caça, e o coração sensato discerne as palavras mentirosas. 20O coração perverso é causa de tristeza, mas o homem hábil resistir-lhe-á. 21A mulher pode tomar por esposo a qualquer homem, mas entre as mulheres uma é melhor que outra. 22A beleza da mulher alegra o rosto, e ultrapassa qualquer desejo do homem. 23Se a bondade e a doçura estão nos seus lábios, o seu marido será o mais feliz dos homens. 24Aquele que tem uma mulher possui o primeiro dos bens, uma ajuda condizente e uma coluna de apoio. 25Onde não há sebe, os bens estão expostos ao roubo; onde não há mulher, o homem vive errante e lamentando-se. 26Quem é que se fia de um hábil ladrão, que vagueia de cidade em cidade? 27Assim é o homem a quem falta o ninho, que repousa onde o surpreende a noite.
Capítulo 37
Verdadeiro e falso amigo
1Todo o amigo dirá: «Eu também contraí amizade contigo.» Há, porém, amigos que só o são de nome. 2Não causa isto uma dor que perdura até à morte, que um companheiro e amigo se converta em inimigo? 3Ó perversa inclinação, onde tiveste origem, para cobrir a terra com a tua perfídia? 4Há companheiro que se aproveita do amigo nas suas diversões, mas, no tempo da tribulação, será seu adversário. 5Há companheiro que se condói da desventura do seu amigo, no interesse do seu ventre; no momento de luta, ele toma o escudo. 6 Não te esqueças em teu coração do teu amigo; no meio da riqueza, não percas a sua lembrança. O bom e o mau conselheiro 7Todo o conselheiro se vangloria no seu conselho, e certos conselheiros só visam o seu interesse. 8Diante de um conselheiro, põe-te alerta; vê primeiro quais são os seus interesses porque ele pode aconselhar em seu próprio interesse; não aconteça que ele lance contra ti a sua sorte 9e te diga: «Estás no bom caminho», enquanto se põe do outro lado, para ver o que te acontecerá. 10Não te aconselhes com quem te olha com desconfiança; e, dos que te invejam, guarda os teus segredos. 11Não consultes uma mulher ciumenta sobre a sua rival, um covarde sobre a guerra, um negociante sobre os negócios, um comprador sobre uma coisa para vender, um invejoso sobre a gratidão, um egoísta sobre a bondade, um preguiçoso sobre qualquer trabalho, um operário contratado por ano sobre o termo do seu contrato, um criado preguiçoso sobre uma grande tarefa!... Não confies neles, nem nos seus conselhos. 12Antes, comunica assiduamente com um homem piedoso, que reconheceres como cumpridor dos mandamentos, cuja alma seja semelhante à tua, e que, se tropeçares, compartilhará da tua dor. 13Atende ao conselho do teu coração, porque ninguém te é fiel como ele. 14Com efeito, a alma de um homem adverte-o melhor que sete sentinelas colocadas de atalaia. 15Mas em todas as coisas pede ao Altíssimo que dirija os teus passos na verdade. 16O princípio de qualquer obra é a razão, e a reflexão preceda qualquer acção. 17O coração está na base das mudanças de opinião; dele brotam quatro ramos diferentes: 18o bem e o mal, a vida e a morte; mas quem domina continuamente sobre elas é a língua. A verdadeira e a falsa sabedoria 19Há homem esperto que ensina a muita gente, mas que é inútil para si mesmo. 20E há sábio que, com as suas palavras, se torna odioso e será privado de todo o alimento. 21Não recebeu os favores do Senhor, porque carece de toda a sabedoria. 22Há sábio que é sábio para si mesmo, e o fruto da sua sabedoria é digno de confiança. 23O sábio instrui o seu povo, e os frutos da sua sabedoria são duradoiros. 24O homem sábio será cumulado de bênçãos, e os que o virem louvá-lo-ão. 25A vida de um homem tem os dias contados, mas os dias de Israel são inumeráveis. 26O sábio herdará a confiança no meio do povo, e o seu nome viverá eternamente. A temperança 27Meu filho, prova-te a ti mesmo, durante a tua vida; se uma coisa te é prejudicial, não te apoderes dela. 28Porque nem tudo é vantajoso para todos, nem todos se comprazem nas mesmas coisas. 29Nunca sejas glutão em banquete algum, nem te lances a tudo o que se serve, 30porque o excesso de alimento é causa de doença e a intemperança provoca cólicas. 31Muitos morreram por causa da sua intemperança; porém, o homem sóbrio prolonga a sua vida.
Capítulo 38
O médico
1Honra o médico, pois podes precisar dele, e porque foi o Altíssimo quem o criou. 2Pois é do Altíssimo que provém a cura, como do rei se recebe um presente. 3A ciência do médico eleva-o em honra, e é admirado na presença dos poderosos. 4O Senhor produziu da terra os medicamentos; o homem sensato não os desprezará. 5Acaso, não foi por meio de um lenho que se tornou doce a água salobra, manifestando assim a sua virtude? 6O Altíssimo deu a ciência aos homens, para ser honrado nas suas maravilhas. 7Por elas, o médico cura e aplaca a dor e com elas o farmacêutico faz misturas. 8E assim, as obras do Senhor não têm fim, e, por Ele, o bem-estar espalha- se sobre a terra. 9Meu filho, se estiveres doente, não te descuides de ti mesmo, mas reza ao Senhor, e Ele te curará. 10Afasta-te do pecado, conserva as mãos puras, e purifica o coração de todo o pecado. 11Oferece incenso, a oblação de flor de farinha, e imola vítimas gordas segundo as tuas posses. 12E chama o médico, porque foi criado por Deus; e não o afastes de ti, porque te é necessária a sua assistência. 13Há ocasiões em que o êxito está nas mãos deles. 14Também eles rogarão ao Senhor que envie por meio deles o alívio e a saúde, a fim de prolongar a vida do doente. 15Aquele que peca na presença de quem o criou, virá a cair nas mãos do médico. O culto dos mortos 16Filho, derrama lágrimas sobre o morto, e chora como um homem que sofreu um rude golpe. Sepulta o seu corpo segundo o costume, e não desprezes a sua sepultura. 17Chora amargamente e irrompe em gritos de dor, observa o luto segundo a dignidade do morto, um dia ou dois, por causa da opinião pública; depois consola-te da tua tristeza. 18Pois a tristeza faz apressar a morte e a melancolia do coração abate as forças. 19A tristeza persiste na desgraça, uma vida de aflição é insuportável. 20Não entregues o teu coração à tristeza, mas afasta-a e lembra-te do teu fim. 21Não te esqueças: da morte não há retorno; em nada darás proveito ao morto e só causarás dano a ti mesmo. 22Lembra-te da sentença que me foi dada, porque a tua será semelhante: ontem para mim, hoje para ti. 23No repouso do morto, deixa descansar a sua memória, e conforta-o quando ele exalar o último suspiro. O escriba e o artífice 24O letrado adquire a sabedoria, no tempo em que está livre de negócios; por isso, aquele que tem poucas ocupações pode chegar a ser sábio. 25Como pode ser sábio o que tem que manejar o arado, cuja glória é aguilhoar os bois, que se ocupa constantemente dos seus trabalhos e só sabe falar das crias dos touros? 26Ele põe todo o seu empenho em traçar os sulcos e o seu cuidado em engordar as bezerras. 27Assim acontece com todo o carpinteiro e construtor, que trabalham dia e noite; com aquele que grava as figuras dos sinetes, variando-as por um trabalho assíduo, que aplica o seu coração a reproduzir as pinturas, e põe todo o cuidado no acabamento do seu trabalho. 28Assim sucede com o ferreiro sentado ao pé da bigorna, atento ao ferro que vai moldando; o vapor do fogo cresta-lhe as carnes, e ele resiste ao calor da fornalha. O estrondo do martelo fere-lhe o ouvido com repetidos golpes, e os seus olhos estão fixos no modelo da sua obra. Aplica o seu coração a aperfeiçoar os trabalhos, e com o seu desvelo os embeleza e lhes dá a última demão. 29Assim sucede com o oleiro que, entregue à sua tarefa, gira a roda com os pés, sempre cuidadoso pela sua obra e pela realização do que está a fazer. 30Com o braço dá forma ao barro e com os pés torna-o flexível. Empenha-se em aperfeiçoar o verniz e perde o sono para limpar o forno. 31Todos estes têm confiança na obra das suas mãos, e cada um é sábio na sua profissão. 32Sem eles, nenhuma cidade seria edificada nem habitada nem frequentada. 33Porém, eles mesmos não tomam parte no conselho do povo e na assembleia não sobressaem; não se sentam nas cadeiras dos juízes, não entendem as leis da justiça; 34não manifestam nem cultura nem sabedoria, nem são encontrados a estudar parábolas. Entretanto, asseguram uma criação perpétua, e as suas orações referem-se aos trabalhos da sua arte.
Capítulo 39
Elogio do escriba
1Mas não é assim o que se aplica a meditar na Lei do Altíssimo. Investiga a sabedoria dos antigos e dedica-se ao estudo das profecias. 2Guarda os ensinamentos dos homens célebres e penetra na subtileza das parábolas. 3Indaga os segredos dos provérbios e ocupa-se do sentido oculto das parábolas. 4Exerce o seu cargo no meio dos poderosos e comparece diante dos que governam. Percorre terras de nações estranhas, conhece por experiência o que há de bom e de mau entre os homens. 5Desde o alvorecer, volta o seu coração para o Senhor que o criou, e faz a oração na presença do Altíssimo. Abre a boca em oração e pede perdão dos pecados. 6Se for a vontade do Soberano Senhor, ele será repleto do espírito de inteligência; então, ele derramará, como chuva, as palavras da sabedoria; e louvará o Senhor, na sua oração. 7Possuirá a rectidão do julgamento e da ciência e ele meditará nos mistérios de Deus. 8Ensinará ele próprio a doutrina que aprendeu e porá a sua glória na Lei da Aliança do Senhor. 9Muitos louvarão a sua sabedoria, que jamais ficará no esquecimento. A sua recordação não desaparecerá e o seu nome viverá de geração em geração. 10As nações proclamarão a sua sabedoria, a assembleia publicará o seu louvor. 11Se viver muito terá maior reputação do que mil outros, e, se ele morre, quanto fez é suficiente. Todas as obras de Deus são boas 12Falarei ainda das minhas reflexões, porque estou repleto como a Lua- cheia. 13Escutai-me, filhos piedosos, e florescei, como uma roseira que cresce à beira das águas; 14como o incenso, espalhai um aroma suave, desabrochai em flores como o lírio, difundi perfume e entoai cânticos, bendizei o Senhor por todas as suas obras. 15Proclamai a grandeza do seu nome, dai a conhecer os seus louvores, com os cânticos da vossa boca e com as vossas cítaras. Direis assim, em seu louvor: 16«Todas as obras do Senhor são excelentes, tudo quanto Ele determinou será executado a seu tempo». Ninguém pode dizer: «O que é isto? Porquê aquilo?», pois tudo será estudado a seu tempo. 17À sua palavra, a água pára e junta-se; a um imperativo da sua voz, as águas contêm-se em reservatórios. 18A uma ordem sua, realiza-se tudo o que Ele quer e ninguém pode impedir o seu auxílio. 19Estão à sua vista todas as acções dos homens, nada é oculto aos seus olhos. 20O seu olhar estende-se de século em século, e nada é maravilhoso para Ele. 21Não se deve dizer: «O que é isto? Para que serve aquilo?» Porque todas as coisas foram criadas para os seus fins. 22A sua bênção é como um rio que transborda, e como o dilúvio inunda a terra inteira. 23A ira do Senhor será a sorte dos povos que o não buscarem, tal como Ele converteu as águas em sal. 24Os seus caminhos são planos para os santos, mas para os ímpios são escabrosos. 25As coisas boas, desde o princípio, foram criadas para os bons; e as más, para os pecadores. 26As coisas mais necessárias à vida do homem são: a água, o fogo, o ferro, o sal, a farinha de trigo, o leite e o mel, o sumo da uva, o azeite e o vestuário. 27Todas estas coisas são um bem para os bons, enquanto que para os ímpios se tornam nocivas. 28Há ventos que foram criados para a vingança e aumentaram os seus tormentos pelo furor. No tempo do extermínio, empregarão a sua força e apaziguarão o furor daquele que os criou. 29O fogo, o granizo, a fome e a morte, todas estas coisas foram criadas para castigo. 30Os dentes das feras, os escorpiões, as serpentes e a espada vingadora, para a ruína dos ímpios. 31Todas estas coisas se regozijam com as ordens do Senhor, e estarão prontas sobre a terra, para servir no momento necessário e, chegando o tempo, executarão pontualmente as suas ordens. 32Por isso, desde o princípio, estou firme nas minhas ideias, que meditei e escrevi. 33Todas as obras do Senhor são boas; chegada a hora, todas cumprirão o seu destino. 34Não há razão para dizer: «Isto é pior do que aquilo», porque as coisas serão achadas boas a seu tempo. 35E agora, de todo o coração e com a boca, louvai e bendizei o nome do Senhor.
Capítulo 40
Misérias da vida humana
1Uma grande dificuldade foi criada para todos os homens e um pesado jugo oprime os filhos de Adão, desde o dia em que saem do seio da sua mãe, até ao dia em que voltam para a mãe de todos. 2A espera angustiosa do dia da morte constitui objecto de seus pensamentos e o temor de seu coração. 3Desde o que está sentado sobre um trono de glória até ao que jaz, abatido na terra e na cinza; 4desde o que está vestido de púrpura e ostenta a coroa, até àquele que só se cobre de pano grosseiro; não é senão furor, ciúme, inquietação, agitação, temor de morte, ressentimentos e contendas. 5E, no tempo em que repousa no leito, o sono da noite perturba-lhe as ideias. 6Ele repousa pouco, ou quase nada, e, mesmo no sono, é perturbado, como em pleno dia, pelas visões do seu coração, como um homem que foge do combate. 7Quando se imagina em lugar seguro, desperta e admira-se do seu vão temor. 8Isto acontece a toda a criatura, desde os homens até aos animais. Mas, para os pecadores, é sete vezes pior. 9A morte, o sangue, as contendas, a espada, as opressões, a fome, a ruína e os flagelos: 10tudo isto foi criado para os maus, e foi por causa deles que veio o dilúvio». Os bens dos ímpios 11Tudo o que vem da terra voltará para a terra, e o que vem das águas volta ao mar. 12Todo o suborno e toda a injustiça serão suprimidos; a rectidão, porém, subsistirá eternamente. 13As riquezas dos injustos secarão como uma torrente; passam como uma trovoada que rebenta quando chove. 14O mau juiz regozija-se ao receber o suborno, mas, no fim, os prevaricadores serão aniquilados. 15A descendência dos ímpios não multiplicará os ramos; as raízes impuras estão fixas nos penhascos. 16A vegetação que cresce junto das águas, à borda de um rio, será arrancada antes de toda a erva dos campos. 17A bondade é como um paraíso de bênção, e a misericórdia permanecerá eternamente. A vida feliz 18Doce é a vida daquele que é independente e a do operário; contudo, melhor ainda é a vida de quem encontra um tesouro. 19Os filhos e a fundação de uma cidade dão fama duradoira, mas é preferível a tudo isto uma mulher irrepreensível. 20O vinho e a música alegram o coração; porém, o amor da sabedoria prevalece sobre ambas as coisas. 21A flauta e a harpa emitem uma suave melodia, porém, a língua suave supera uma e outra. 22A graça e a beleza deleitam a tua vista, mas a vegetação dos campos avantaja-se a ambas as coisas. 23O amigo ajuda o seu amigo, no momento oportuno; mas, mais do que estes dois, é a mulher com o seu marido. 24Os irmãos e uma ajuda são úteis no tempo da tribulação, a misericórdia, porém, salvará mais do que eles. 25O ouro e a prata são a firmeza dos pés; mas um bom conselho supera um e outro. 26As riquezas e a força elevam o coração, mas o temor do Senhor avantaja- se a ambas as coisas. Nada falta ao que tem o temor do Senhor; e com ele não há necessidade de outro auxílio. 27O temor do Senhor é como um paraíso de bênçãos; e protege melhor do que qualquer glória. A mendicidade 28Meu filho, não leves nunca uma vida de mendigo; é melhor morrer que mendigar. 29O homem que olha com ânsia para a mesa alheia, vive uma vida que não é realmente vida; ele mancha-se com alimentos alheios. Mas o homem instruído e educado guardar-se-á de fazer isto. 30Na boca do insensato, será doce o mendigar,
mas as suas entranhas ardem como fogo.