Capítulo 1

Ambiente histórico (2 Cr 36,5-7) 1No terceiro ano do reinado de Joaquim, rei de Judá, Nabuco­do­no­sor, rei da Babilónia, veio cercar Jeru­sa­lém. 2O Senhor entregou-lhe Joa­quim, rei de Judá, e uma parte dos objectos do templo; Nabuco­do­no­sor transportou-os ao país de Chi­near e colocou-os na sala do tesouro dos seus deuses.


Daniel e seus companheiros na Babilónia3O rei deu ordem a As­penaz, chefe dos cria­dos, que lhe trou­xesse jovens israe­litas, de ascen­dên­cia real ou de fa­mí­lia nobre, 4sem qualquer defeito, for­­mosos, dotados de toda a espécie de qualidades, ins­truí­dos, inteligentes e fortes. Seriam colocados no palá­cio real e Aspenaz devia ensinar-lhes as letras e a lín­gua dos cal­deus.

5O rei destinou-lhes uma provisão diá­ria de alimentos, reser­vada à emen­ta da mesa real, e do vinho que ele bebia. A formação deles havia de durar três anos, após o que en­tra­riam ao serviço na presença do rei.

6Entre estes, contavam-se Daniel, Hananias, Michael e Azarias, que per­tenciam aos filhos de Judá. 7O chefe dos criados pôs-lhe novos no­mes: a Daniel, o de Beltechaçar, a Hana­nias, o de Chadrac, a Michael, o de Mechac e a Azarias, o de Abed-Nego.

8Daniel tomou a resolução de não se manchar com o alimento do rei e com o vinho que ele bebia. Por isso, pediu ao chefe dos criados para se abster deles. 9Deus fez com que o chefe dos criados acolhesse Daniel com benevolência e amabilidade. 10Mas depois disse-lhe: «Temo que o rei, meu senhor, que determinou o que vós haveis de comer e beber, ve­nha a encontrar o vosso rosto mais magro que o dos outros jovens da mesma idade e assim me exponhais a uma repreensão da parte do rei.»

11En­tão, Daniel disse ao oficial, a quem o chefe dos criados tinha con­fiado o cuidado de Daniel, Hana­nias, Mi­chael e Azarias: 12«Por favor, faz uma experiência de dez dias com os teus servos: que se nos dê apenas legumes a comer, e água a beber. 13De­­­pois disto, compararás o nosso aspecto com o dos jovens que se ali­mentam das iguarias da mesa real e, con­for­me o que tiveres consta­tado, assim agirás com os teus servos.»

14Con­cor­dou com esta proposta e submeteu-os à prova, durante dez dias. 15Ao fim deste prazo, verificou-se que ti­nham melhor aspecto e esta­vam mais robustos que todos os jo­vens que comiam os acepipes da mesa real. 16Como consequência, o oficial retirava as iguarias e o vinho que lhes estavam destinados e man­dava que lhes servissem legumes. 17A estes quatro jovens, Deus deu sabedoria e in­te­ligência no domínio das letras e ciências. Daniel compreendia toda a espécie de visões e sonhos.

18Decorrido o tempo fixado pelo rei para a apresentação dos jovens, o chefe dos criados levou-os à pre­sen­­ça de Nabucodonosor, 19que con­versou com eles. De entre todos os jo­vens, não houve nenhum que pudesse comparar-se a Daniel, Hananias, Mi­chael e Azarias. Por isso, entraram ao serviço na presença do rei.

20Em qualquer assunto de sabe­doria e in­te­ligência que os consul­tasse, o rei achava-os dez vezes supe­riores a to­dos os escribas e magos do seu reino. 21Assim viveu Daniel, até ao pri­mei­ro ano do reinado de Ciro.

Capítulo 2

Só Deus pode interpretar os sonhos (Gn 41) – 1No segundo ano do seu reinado, Nabucodonosor teve so­­nhos, que lhe agitaram tanto o espí­rito que perdeu o sono. 2O rei man­dou chamar os escribas, os ma­gos, os feiticeiros e os caldeus para lhos interpretarem. Eles vieram e apre­sentaram-se diante do rei.

3Disse-lhes o rei: «Tive um sonho e o meu espírito atormentou-se, pro­cu­rando o sentido deste sonho.» 4Os caldeus responderam ao rei em ara­maico: «Viva o rei para sempre! Con­ta o so­nho aos teus servos e dar-te-emos a interpretação.»

5O rei disse aos caldeus: «É para mim coisa certa que, se não me apre­sentais o conteúdo do sonho, bem como a sua interpretação, sereis cor­­tados em pedaços e vossas casas re­du­­zidas a um montão de imun­dí­cies. 6Porém, se me revelardes não só o sonho mas também a sua inter­pre­ta­ção, recebereis de mim dádi­vas, pre­sentes e grandes provas de conside­ração. Dizei-me, pois, o sonho e o que significa.»

7Responde­ram novamente: «Que o rei conte o sonho aos seus servos e revelaremos a sua interpretação.» 8«Sei agora perfeita­mente – replicou o rei – que procu­rais ganhar tempo, pois vedes que estou comple­ta­mente decidido a apli­car-vos essa sen­tença, 9se não me revelais o conteúdo do sonho. Combinastes para me mentir e me enganar, esperando que as cir­cuns­tân­cias mudem. Vamos, dizei-me o que eu sonhei e saberei se sois capa­zes de lhe dar a interpretação.»

10Os caldeus responderam ao rei desta maneira: «Não há homem so­bre a terra capaz de descobrir o segredo do rei. E, de facto, nenhum rei, go­vernador ou homem poderoso exigiu semelhante coisa de um es­criba, mago ou caldeu. 11A questão posta pelo rei é difícil e ninguém poderá dar ao rei a solução, excepto os deuses, que não têm morada en­tre os mortais.»

12Ao ouvir isto, o rei enfureceu-se e em sua cólera mandou exterminar todos os sábios da Babilónia. 13A decisão foi publicada e o massacre dos sábios começou. Procuraram Da­niel e os companheiros para os ma­tar também. 14Daniel, porém, diri­giu a Arioc – chefe dos guardas do rei – que se dispunha a matar todos os sábios babilónios, propostas cheias de pru­dência e sensatez. 15Pergun­tou-lhe: «Qual a razão para uma sen­­tença tão severa da parte do rei?»

Arioc expôs-lhe o assunto. 16Ime­dia­ta­mente Daniel foi ter com o rei para pedir que lhe concedesse o tem­po necessário para dar ao rei a in­ter­­pre­tação pedida.


Visão de Daniel17Daniel entrou em sua casa e informou do facto os companheiros Hananias, Michael e Azarias. 18Pediu-lhes que imploras­sem a misericórdia do Deus dos céus, a propósito deste enigma, a fim de que não fossem exterminados Daniel e os seus companheiros com os res­tantes sábios da Babilónia.

19O mistério foi, então, revelado a Daniel numa visão nocturna. Da­­niel bendisse o Deus dos céus 20e exprimiu-se deste modo:


«Louvado seja o nome de Deus,

bendito seja de eternidade em eternidade,

porque a Ele pertencem a sabe­do­ria e o poder.

21É Ele quem modifica os tem­pos e as circunstâncias;

é Ele quem depõe os reis e os eleva;

é Ele quem dá a sabedoria aos sá­bios

e a ciência aos que têm inteli­gência;

22é Ele quem revela o que é pro­fundo e escondido,

quem conhece o que se esconde nas trevas,

e a luz mora junto dele.

23Ó Deus de meus pais, eu te cele­bro e te louvo,

porque me deste a sabedoria e a coragem,

porque me manifestaste o que te pedimos,

ao resolver a dificuldade do rei.»


Daniel interpreta o sonho do rei 24Depois, Daniel foi ter com Arioc, a quem o rei tinha encarregado de exterminar os sábios da Babilónia. Falou-lhe assim: «Não mandes ma­tar os sábios da Babilónia. Leva-me até junto do rei, para que lhe dê a explicação.»

25Apressou-se então Arioc a con­du­zir Daniel junto do rei, falando-lhe deste modo: «Encontrei, entre os de­por­tados da Judeia, um homem que dará a conhecer ao rei a explicação que deseja.» 26O rei to­mou a palavra e disse a Daniel, que tinha o so­bre­nome de Belte­cha­çar: «Na verdade, tu és capaz de me dar a conhecer o sonho que tive e a sua interpre­ta­ção?»

Daniel respondeu-lhe: 27«O mis­té­rio de que o rei pede esclareci­men­to, nem os sábios, nem os magos, nem os feiticeiros, nem os astrólo­gos são capazes de o revelar ao rei. 28Porém, nos céus há um Deus que desvenda os mistérios e Ele quis revelar ao rei Nabucodonosor o que vai acontecer na continuação dos tempos. Eis, pois, o teu sonho e as visões que se apresentaram ao teu espírito, no teu leito:

29Ó rei, os pensamentos que te vie­­ram ao espírito, enquanto esta­vas no teu leito, referiam-se ao que suce­derá no futuro, e aquele que des­venda o que é secreto dá-te a conhecer o que deve advir. 30Quanto a mim, se este mistério me foi reve­lado, não é por em mim haver mais sabedoria que nos outros homens, antes foi para dar ao rei a inter­pretação, a fim de que vejas claro os pensamentos do teu coração.

31Ó rei, tu tiveste uma visão. Eis que uma grande, uma enorme está­tua se levantava diante de ti; era de um brilho extraordinário, mas de um aspecto terrível. 32Esta estátua tinha a cabeça de ouro fino, o peito e os braços de prata, o ventre e as ancas de bronze, 33as pernas de ferro, os pés metade de ferro e metade de barro.

34Contemplavas tu esta estátua, quando uma pedra se desprendeu da montanha, sem intervenção de mão alguma, e veio bater nos seus pés, que eram de ferro e argila, e lhos esmi­galhou. 35Então, com a mes­ma pan­cada foram feitos em peda­ços o ferro, o barro, o bronze, a pra­ta, o ouro, e, semelhantes ao pó que no Verão voa da eira, foram le­va­dos pelo vento sem que deixas­sem qualquer vestí­gio. A pedra que tinha embatido contra a estátua trans­formou-se numa alta monta­nha, que encheu toda a terra.

36Este era o sonho. Vamos agora dar ao rei a sua interpretação. 37Tu, ó rei, és o rei dos reis, a quem o Deus dos céus deu a realeza, o poder, a força e a glória; 38a quem entregou o domínio sobre os homens, onde quer que eles habitem, sobre os animais terrestres e sobre as aves do céu. Tu é que és a cabeça de ouro.

39Depois de ti surgirá um outro reino menor que o teu; depois um ter­­ceiro reino, o de bronze, que do­mi­nará sobre toda a terra. 40Um quarto reino será forte como o ferro; assim como o ferro quebra e esmaga tudo, assim este esmagará e ani­quilará todos os outros. 41Os pés e os dedos que viste, em parte de argila de oleiro, em par­te de ferro, indicam que este reino será dividido; haverá nele al­guma coisa da resistência do ferro, con­forme tu viste ferro mis­turado com argila. 42Os dedos dos pés, em parte de ferro e em parte de barro, signi­ficam que o reino será ao mesmo tempo forte e frágil. 43Se tu viste o ferro junto com o barro, foi porque as duas partes se uniram por des­cen­­dência humana, mas não se aguen­tarão juntas, do mesmo modo que o ferro não se funde com a argila.

44No tempo destes reis, o Deus dos céus fará aparecer um reino que jamais será destruído e cuja sobe­ra­nia nunca passará para outro povo. Esmagará e aniquilará todos os ou­tros, enquanto ele subsis­­tirá para sem­pre. 45Foi o que pu­des­te ver na pedra que se desprendia da mon­ta­nha, sem intervenção de mão alguma, e que reduzia a miga­lhas o ferro, o bronze, a argila, a prata e o ouro.

O grande Deus deu a conhecer ao rei o que acontecerá no futuro. O so­nho é verdadeiro e a interpre­ta­ção dele é digna de cré­dito.»


Profissão de fé do rei46Então, o rei Nabucodonosor atirou-se de face por terra, prostrado diante de Da­niel; em seguida, ordenou que lhe ofere­ces­sem oblações e incenso. 47Diri­gindo-se a Daniel, o rei disse: «O vosso Deus é verdadeiramente o Deus dos deuses, o Senhor dos reis; é também Ele quem manifesta os mistérios, visto que só tu os pudeste revelar.»

48O rei elevou Daniel em digni­dade e deu-lhe numerosos e ricos presen­tes; constituiu-o governador de toda a província da Babilónia e nomeou-o chefe supremo de todos os sábios da Babilónia. 49A pedido de Daniel, entregou a Chadrac, Mechac e Abed-Nego a administração da pro­víncia da Babilónia, enquanto Daniel ficava na corte real.

Capítulo 3

A estátua de ouro (2 Mac 7; Is 43,2) 1O rei Nabucodonosor fez uma estátua de ouro, com a altura de ses­senta côvados e com seis de lar­gura, que levantou na pla­nície de Dura, na província da Babilónia. 2E depois mandou con­vi­dar os sátrapas, os prefeitos, os governadores, os conse­lheiros, os tesoureiros, os legistas, os juízes e todas as autoridades das provín­cias, para vir à inauguração da estátua, que o rei Nabuco­donosor ti­nha eri­gi­do. 3Assim, pois, juntaram-se os sá­trapas, os prefeitos, os gover­­na­do­res, conselheiros, tesoureiros, le­gis­­­tas, juízes e todas as autori­dades das províncias, para a inauguração da estátua levantada pelo rei e, dian­te dela, todos permaneceram de pé.

4Por meio de um arauto foi fei­ta, então, a proclamação seguinte: «Po­vos, nações, gente de todas as lín­guas, eis o que se traz ao vosso conhe­ci­mento: 5No momento em que ouvir­des o som da trombeta, da flauta, da cítara, da lira, da harpa, do saltério e de toda a qualidade de instrumen­tos de música, prostrar-vos-eis em adoração diante da está­tua de ouro, que o rei Nabucodono­sor levantou. 6Todo aquele que não se prostrar e não adorar será ime­dia­tamente lan­çado na fornalha incandescente.»

7Logo que ouviram o som da trom­beta, da flauta, da cítara, da lira, da harpa, e de toda a espécie de instru­mentos de música, todos os povos, na­­ções e popu­lações de todas as lín­guas prostra­ram-se em adoração diante da estátua de ouro, erigida pelo rei Nabu­codono­sor.


Condenação dos amigos de Da­niel8Neste mesmo instante, cer­tos caldeus aproximaram-se e denun­ciaram os judeus. 9Dirigindo-se ao rei Nabucodonosor disseram: 10«Tu mes­mo, ó rei, publicaste o decreto de que todo o homem que ouvisse o som da trombeta, da flauta, da cí­tara, da lira, da harpa, do saltério e de toda a es­pécie de instrumento musical teria de se prostrar em ado­ração diante da estátua de ouro, 11e que qualquer um que a isso se negasse seria lan­çado na fornalha incan­des­cente. 12Pois bem, há aí alguns judeus a quem confiaste a administração da província da Babilónia, Chadrac, Me­chac e Abed-Nego que não res­pei­ta­ram o teu decreto. Não pres­tam culto aos teus deuses e não adoram a está­tua que tu levantaste.»

13Nabucodonosor, irritado e fu­rio­so, mandou comparecer Chadrac, Mechac e Abed-Nego, os quais fo­ram imediatamente levados à presença do rei. 14Disse-lhes Nabucodonosor: «Chadrac, Mechac e Abed-Nego, é verdade que rejeitais o culto aos meus deuses e a adoração à estátua de ouro erigida por mim? 15Pois bem! Estais dispostos, no momento em que ouvirdes o som da trombeta, da flauta, da cítara, da lira, da harpa, do saltério e de qualquer outro ins­trumento musical, a prostrar-vos em adoração diante da estátua que eu fiz? Se não o fizerdes, sereis logo lan­çados dentro da fornalha ardente. E qual o deus que poderá libertar-vos da minha mão?»

16Chadrac, Mechac e Abed-Nego res­ponderam ao rei Nabucodonosor: «Não vale a pena responder-te a pro­pósito disto. 17Se isso assim é, o Deus que nós servimos pode livrar-nos da fornalha incandescente, e até mesmo, ó rei, da tua mão. 18E ainda que o não faça, fica sabendo, ó rei, que não prestamos culto aos teus deuses e que não adoramos a estátua de ouro que tu levantaste.»

19Então explodiu a fúria de Nabu­codonosor contra Chadrac, Mechac e Abed-Nego; a expressão do seu rosto mudou e levantou a voz para man­dar que se aquecesse a fornalha sete vezes mais que de costume. 20Em seguida, ordenou aos soldados mais vigorosos do seu exército que amar­rassem Chadrac, Mechac e Abed-Nego, a fim de os lançar na fornalha incandescente.

21Então, estes homens com as suas túnicas, com as suas roupas, man­tos e demais vestuário, foram ligados e atirados à fornalha ar­den­te. 22Mas os homens que, por ordem premente do rei, tinham aquecido extraor­dina­ria­mente a fornalha e para ali tinham atirado Chadrac, Mechac e Abed-Nego foram mortos pelas chamas, 23ao mesmo tempo que eram preci­pita­dos na fornalha os três jovens ligados.


Cântico de Azarias (Esd 9,5-15; Ne 9,6-37; Br 1,15-3,8)

24Então, passeavam no meio das cha­mas,

louvando a Deus e bendizendo o Senhor.

25Azarias, de pé no meio das cha­mas, fez esta prece:


26«Bendito e louvado sejas, Se­nhor,

Deus dos nossos pais!

Que o teu nome seja glorificado pelos séculos!

27És justo em toda a tua conduta para connosco;

as tuas obras são rectas,

os teus caminhos rectos

e os teus juízos equitativos.

28Fizeste um juízo equitativo em tudo o que nos infligiste

e em tudo o que infligiste à cidade santa de nossos pais, Jerusa­lém;

é por efeito dum juízo equitativo

que nos infligiste tudo isto,

por causa dos nossos pecados.

29Pecámos, prevaricámos, afas­támo-nos de ti;

em tudo temos procedido mal;

e não observámos os teus manda­mentos.

30Não os temos posto em prática,

não temos observado as leis que nos deste

e que eram para nossa felicidade.

31Em todos os males que man­daste sobre nós,

em tudo o que nos infligiste,

foi uma sentença justa que apli­caste.

32Entregaste-nos nas mãos de in­justos inimigos,

de ímpios encarniçados, sem lei,

e a um rei, o mais iníquo e per­verso de toda a terra.

33Agora não ousamos mais abrir a boca.

Vergonha e infâmia acabrunham os teus servos

e todos os que te adoram.

34Pelo teu nome, não nos abando­nes para sempre,

não anules a aliança.

35Não nos retires a tua miseri­cór­d­ia,

em atenção a Abraão, teu amigo,

a Isaac, teu servo,

36aos quais prometeste

multiplicar a sua descendência como as estrelas do céu,

e como a areia das praias do mar.

37Senhor, estamos reduzidos a nada diante das nações,

estamos hoje humilhados em face de toda a terra,

por causa dos nossos pecados.

38Agora não há nem príncipe,

nem profeta, nem chefe,

nem holocausto, nem sacrifício,

nem oblação, nem incenso,

nem um local para te oferecer as primícias

e encontrar misericórdia.

39Que pela contrição de coração

e humilhação de espírito,

sejamos acolhidos, como se trou­xés­semos

holocaustos de carneiros e de tou­ros

e de milhares de cordeiros gordos.

40Que este seja hoje diante de ti o nosso sacrifício;

possa ele reconciliar-nos con­tigo,

pois não têm que envergonhar-se

aqueles que em ti confiam.

41É de todo o coração que agora te seguimos,

te veneramos e procuramos a tua face;

não nos confundas.

42Trata-nos com a tua doçura ha­bi­tual

e com todas as riquezas da tua misericórdia.

43Livra-nos pelos teus prodígios

e cobre de glória o teu nome, Se­nhor.

44Que sejam confundidos os que mal­tratam os teus servos,

que sintam vergonha, ao verem-se sem poder

e aniquilados na sua força.

45Assim, saberão que Tu és o Se­nhor Deus único,

glorioso em toda a superfície da terra!


46Entretanto, os servos do rei, que os tinham lançado na fornalha, não cessavam de a aquecer com nafta, es­topa, pez e lenha seca. 47As cha­mas, que então subiam a qua­ren­ta e nove côvados acima da for­nalha, 48des­viando-se, queimaram os caldeus que se encontravam junto dela.

49O anjo do Senhor, porém, tinha descido até Azarias e seus compa­nheiros e afastava o fogo da forna­lha. 50Transformou o centro da fornalha num lugar onde soprava como que uma brisa matinal: o fogo nem se­quer os tocou e não lhes cau­sou qual­quer mal nem a menor dor.


Cântico dos três jovens (Sl 136; 148) 51Os três jovens, então, não tiveram senão uma só voz para louvar, glo­ri­ficar e bendizer a Deus, na fornalha, com este cântico:

52«Bendito sejas, Senhor, Deus de nossos pais:

– digno de louvor e glória eterna­mente!

Bendito seja o teu nome santo e glo­­rioso:

– digno de supremo louvor e exal­ta­ção eternamente!

53Bendito sejas no templo da tua santa glória:

– digno de supremo louvor e gló­ria eternamente!

54Bendito sejas por penetrares os abismos,

sentado sobre os querubins:

– digno de supremo louvor e exal­tação eternamente!

55Bendito sejas no teu trono real:

– digno de supremo louvor e exal­ta­ção eternamente!

56Bendito sejas no firmamento dos céus:

– digno de supremo louvor e gló­ria eternamente!

57Obras do Senhor, bendizei todas o Senhor:

_ a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

58Céus, bendizei o Senhor:

_ a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

59Anjos do Senhor, bendizei o Se­nhor:

_ a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

60Águas que estais acima dos céus, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

61Todos os poderes do universo, ben­dizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

62Sol e Lua, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

63Estrelas dos céus, bendizei o Se­nhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

64Chuva e orvalho, bendizei o Se­nhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

65Todos os ventos, bendizei o Se­nhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

66Fogo e chama, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

67Frio e calor, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

68Orvalho e geada, bendizei o Se­nhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

69Frio e gelo, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

70Gelos e neves, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

71Noites e dias, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

72Luz e trevas, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

73Relâmpagos e nuvens, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

74Que a terra bendiga o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

75Montes e colinas, bendizei o Se­nhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

76Tudo o que germina na terra, ben­dizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

77Mares e rios, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

78Fontes, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

79Monstros marinhos

e tudo o que se move nas águas, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

80Todas as aves do céu, bendizei o Se­nhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

81Todos os animais, selvagens e do­mésticos, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

82Vós, seres humanos, bendizei o Se­nhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

83Que Israel bendiga o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

84Sacerdotes, bendizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

85Servos do Senhor, bendizei o Se­nhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

86Espíritos e almas dos justos, ben­dizei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

87Santos e humildes de coração, ben­dizei o Senhor:

_ a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

88Hananias, Azarias, Michael, ben­d­­­i­zei o Senhor:

– a Ele a glória e o louvor eterna­mente!

Porque nos libertou da morada das sombras,

nos salvou do poder da morte;

tirou-nos da fornalha incandes­cente

e arrancou-nos do meio das cha­mas.

89Glorificai o Senhor, porque é bom,

porque a sua misericórdia é eterna.

90Vós, os piedosos, bendizei o Se­nhor, Deus dos deuses,

louvai-o, glorificai-o,

porque a sua misericórdia é eterna!»


A conversão do rei91(24)Então o rei Nabucodonosor, estupefacto, le­vantou-se repentinamente, dizendo para os seus conselheiros: «Não fo­ram três homens, atados de pés e mãos, que lançámos ao fogo?»

Res­ponderam eles ao rei: «Com cer­teza.» 92(25)«Pois bem –replicou o rei – vejo quatro homens soltos, que passeiam no meio do fogo, sem este lhes causar mal; o quarto tem o as­pecto de um filho de Deus.»

93(26)Por isso, Nabucodonosor apro­­ximou-se da abertura da forna­lha e gritou: «Chadrac, Mechac, Abed-Nego, servos do Deus Altíssimo, saí e vinde!» Logo Chadrac, Mechac e Abed-Nego saíram do meio do fogo. 94(27)Os sátra­pas, os prefeitos, os governadores e os conselheiros do rei, reunidos em volta, verificaram que o fogo não tinha tido qualquer efeito sobre o corpo daque­les homens, que nem um cabelo das suas cabeças tinha sido chamus­cado, que as vestes deles estavam intac­tas e que nem mesmo traziam indício de cheiro a fogo. 95(28)Nabucodonosor, tomando a palavra, disse:

«Bendito seja o Deus de Chadrac, de Mechac e de Abed-Nego! Ele en­viou o seu anjo para libertar os seus servos que, confiando nele, expuse­ram a vida, transgredindo as ordens do rei, antes que prostrarem-se em adora­ção diante de um outro deus que não fosse o Deus deles.

96(29)Estabeleço, pois, esta ordem: ‘Em qualquer povo, nação ou língua, todo aquele que disser alguma coisa de mal contra o Deus de Chadrac, de Mechac e de Abed-Nego, será feito em pedaços e a sua casa reduzida a um montão de imundícies, porque não há outro Deus capaz de realizar uma tal liber­ta­ção’.»

97(30)Depois, o rei melhorou ainda a situação de Chadrac, de Mechac e de Abed-Nego, na província da Ba­bi­lónia.


Novo sonho do rei: a árvore fron­dosa (Ez 31) – 98(31)«O rei Nabuco­dono­sor a todos os povos, nações e gentes de todas as línguas que habitam a ter­ra: paz e prosperidade! 99(32)Pareceu-me bom dar-vos a conhecer os mila­gres e prodígios que o Deus Altís­­simo operou em meu favor.

100(33)Oh! Como os seus milagres são grandes

e os seus prodígios formidáveis!

O reino dele é um reino eterno!

O seu império vai de geração em geração.»

Capítulo 4

1«Eu, Nabucodonosor, vivia tran­­­­quilo em minha casa e cheio de êxito no meu palácio. 2Tive um sonho que me apavorou; na cama sofri hor­rores e as visões pertur­baram-me.

3Dei ordem para que fizessem vir à minha presença todos os sábios da Babilónia, a fim de me darem a in­ter­pretação do so­nho. 4Vieram, então, os escribas, os magos, os caldeus e os feiticeiros, a quem narrei este sonho, mas não me souberam indicar o seu sentido.

5Por último, apresentou-se diante de mim Daniel, apelidado Beltecha­çar – conforme o nome do meu deus – e nele reside o espírito do Deus santo. Contei-lhe o sonho e disse-lhe: 6 “Bel­techaçar, chefe dos magos, sei que reside em ti o espírito do Deus santo e que nenhum mistério te emba­raça. Dá-me a interpretação do sonho que tive.”

7Foram assim, no meu leito, as visões do meu espírito: vi, no meio da terra, uma árvore muito alta. 8Esta árvore cresceu e tornou-se vigorosa. O cimo tocava no céu; avistava-se desde os confins de toda a terra. 9A sua folhagem era bela e os frutos abundantes; a todos forneciam ali­mentos. À sombra dela, abrigavam-se os animais do campo; nos ramos moravam as aves do céu, e toda a cria­tura tirava dela a sua subsis­tência.

10Nas visões do meu espírito, con­templei um Vigilante. Era como um santo que descia do céu 11e se pôs a gritar com uma voz forte: “Der­rubai a árvore, cortai-lhe os ramos; fazei-lhe cair as folhas e atirai para longe os seus frutos. Que os animais fujam de debaixo dela e que as aves dei­xem a sua ramagem. 12Contudo, deixai fi­car na terra o tronco e suas raízes, mas ligados com cadeias de ferro e de bronze. Que o tronco seja mo­lhado pelo orvalho do céu e que tenha o seu quinhão de erva com os animais da terra. 13Que se lhe mude o cora­ção; que, em vez de um coração hu­mano, lhe seja dado um coração de animal e que sete tempos passem por ele. 14Esta sentença é um de­creto dos Vigilantes, esta resolução é uma or­dem dos santos, a fim de que os vi­vos saibam que o Altíssimo domi­na sobre a realeza dos homens, e que Ele a dá a quem lhe apraz e a ela pode elevar o mais humilde dos mor­tais.”

15Tal foi o sonho que eu, rei Nabu­codonosor, tive. Tu, Beltecha­çar, dá-me a interpretação dele, por­que ne­nhum dos sábios do meu reino é capaz de o fazer. Mas, quanto a ti, tu podes, porque em ti reside o espí­rito do Deus santo.»


Daniel interpreta o sonho16En­tão Daniel, chamado Beltechaçar, ficou aterrorizado, por instantes, e perturbado com os seus pensamen­tos. O rei recomeçou: «Beltechaçar, que este sonho e o significado dele não te perturbem!» Beltechaçar res­pondeu: «Meu senhor, que o so­nho seja para os teus inimigos e a sua in­terpretação para os teus adver­sários!

17A árvore que viste crescer e ador­nar-se, cujo cimo tocava o céu e que se avistava do extremo da terra, 18essa árvore de bela folhagem, de frutos abundantes, que a todos dava de co­mer, debaixo da qual se aco­lhiam os animais do campo e em cuja folha­gem se abrigavam as aves do céu, 19essa árvore és tu, ó rei, que te tornaste grande e poderoso, crescendo sem­pre até atingires os astros e exercendo o teu império até aos extremos da terra.

20E o rei viu descer do céu o san­to Vigilante que gritava: ‘Abatei a árvore, cortai-lhe os ramos, mas dei­xai na terra o tronco das suas raí­zes, ainda que ligado com cadeias de ferro e de bronze, no meio da erva dos cam­pos; que seja molhado pelo orvalho do céu e que viva com os animais do campo até que sobre ele tenham pas­sado sete tempos’. 21Eis o que signi­fica: trata-se, ó rei, de um de­­creto do Altís­simo que vai atingir o rei, meu se­nhor: 22Expulsar-te-ão de entre os homens e far-te-ão habi­tar com os animais dos campos; pas­ta­­rás erva como os bois e serás mo­lhado pelo orvalho do céu. Sete tem­pos passa­rão sobre ti, até que reconheças que o Altíssimo domina sobre a realeza dos homens e que Ele a dá a quem lhe apraz. 23Se se ordenou deixar intacto o tronco das raízes da ár­vore, é que a realeza te será confirmada, desde que tenhas reconhecido a so­be­rania do Céu.

24Cuida, pois, ó rei, de acei­tar o meu conselho: redime o teu pecado pela justiça, e as tuas ini­qui­dades, pela piedade para com os infelizes; talvez isto consiga prolon­gar a tua prosperidade.»


Realização do sonho25Tudo isto aconteceu ao rei Nabucodonosor. 26Do­ze meses mais tarde, o rei, quan­do pas­seava no palácio real da Babi­ló­nia, 27fazia esta reflexão: «Eis Babi­lónia-a-Grande, que eu edifiquei para residência real, pelo poder da minha força e para glória da minha majes­tade!»

28Falava ainda, quando uma voz veio do Céu: «É-te anunciado, ó rei Nabuco­do­nosor, que o reino te vai ser tirado. 29Vão expulsar-te do meio dos ho­mens, para te levarem a viver entre os animais dos campos; comerás erva como os bois. Sete tempos passarão sobre ti, até que reconheças que o Al­tíssimo domina sobre a realeza dos homens e que a dá a quem bem lhe apraz.»

30No mesmo instante se cumpria o oráculo pronunciado sobre Nabu­co­donosor: foi afastado de entre os homens e pastava erva como os bois; o seu corpo foi ensopado pelo orva­lho do céu, os cabelos cresceram-lhe como as plumas à águia, e as unhas como as unhas das aves.

31«Ao fim dos dias marcados, eu, Nabucodonosor, levantei os olhos ao céu. A faculdade da razão voltou-me e bendisse o Altíssimo; louvava e glo­rificava aquele que vive eterna­men­te, cujo domínio é eterno e cujo reino per­dura, de geração em gera­ção. 32Diante dele nenhum habitante da terra conta; age conforme lhe apraz, tanto para a milícia celeste como para os habitantes da terra. Ninguém pode agarrar-lhe a mão e dizer-lhe: ‘Que fazes?’

33Naquela mesma altura, a razão foi-me restituída e, com a glória da minha realeza, também a minha ma­­jestade e esplendor. Os meus con­selheiros e os meus grandes vieram procurar-me; fui estabelecido na che­fia do reino e o meu poder cresceu extraordinariamente. 34Eu, Nabu­co­­do­nosor, agora louvo, exalto e glori­fico o rei dos céus, cujas obras são todas justas e cujos caminhos são rectos e que tem poder para humi­lhar os orgulhosos.»

Capítulo 5

Banquete do rei1O rei Bal­tasar deu um banquete a mil dos seus conselheiros; e, na presença de todos eles, foi bebendo vinho. 2Ex­ci­tado pela bebida, mandou trazer os vasos de ouro e prata que o pai Nabucodonosor tinha tirado do tem­plo de Jerusalém, a fim de que o rei, os seus grandes, as concubinas e as bailarinas, se servissem deles para beber.

3Trouxeram, pois, os vasos de ouro que tinham sido roubados ao tem­plo de Deus em Jerusalém. O rei, os seus conselheiros, as concubi­nas e as bailarinas beberam por eles. 4De­pois de terem bebido o vi­nho, inicia­ram o louvor aos deuses de ouro, de prata, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra.

5Neste momento, apareceram de­dos de mão humana que escreviam defronte do candelabro, sobre o re­boco da parede do palácio real.

O rei, à vista da mão que escre­via, 6mudou de cor, pensamentos terrí­veis o assaltaram, os músculos dos rins perderam o vigor e os joelhos en­trechocavam-se.


Consulta do rei7O rei gritou que mandassem vir os feiticeiros, os cal­deus e os astrólogos. E disse aos sábios da Babilónia: «Aquele que decifrar esta inscrição e me der o sentido da mesma será revestido de púrpura, levará ao pescoço um colar de ouro e tomará o terceiro lugar no governo do reino.»

8Entraram na sala todos os sá­bios do rei mas foram incapazes de ler aquela inscrição e de dar ao rei o sentido dela. 9Baltasar ficou muito aterrado, a sua face mudou de cor e os seus conselheiros esta­vam cons­ter­­nados.

10A rainha, porém, tendo conhe­ci­mento das palavras do rei e dos con­selheiros, entrou na sala do ban­quete, tomou a palavra e disse: «Ó rei, viva o rei para sempre! Que os teus pen­sa­mentos não te aterrem e não mu­des assim de cor. 11Há no teu reino um homem em quem reside o espí­rito do Deus santo. Em vida de teu pai, havia nele uma luz, uma inte­ligên­cia e uma sabe­do­ria semelhantes à sabedoria dos deu­ses. Por isso, o rei Nabuco­donosor, teu pai, o consti­tuíra chefe dos es­cri­bas, dos magos, dos caldeus e dos astrólogos. 12Já que um espírito su­perior, uma ciência e uma inteli­gên­cia para interpretar os so­nhos, para explicar os enigmas e re­solver as dificuldades, se encon­tram em Da­niel – a quem o rei deu o nome de Beltechaçar – manda-o chamar, pois Daniel decifrará o sentido dessa inscrição.»

13Daniel foi, então, levado à pre­sença do rei, que lhe disse: «És tu, de facto, Daniel, deportado de Judá, a quem meu pai trouxe da Judeia para aqui? 14Ouvi dizer a teu res­peito que o espírito de Deus está em ti e que em ti se encontram uma luz, uma inteligência e uma sabedoria superiores. 15Acabam de se apresen­tar diante de mim os sábios e os feiticeiros para lerem esta inscrição e dar-me a conhecer o seu sentido. Mas não puderam dar-me o signi­fi­cado destas palavras. 16Ora, assegu­ra­ram-me que tu és mestre na arte das interpretações e das resoluções de enigmas. Se tu, pois, conseguires ler o que está escrito e me deres a conhecer a sua interpretação, serás revestido de púrpura, trarás ao pes­coço um colar de ouro e receberás o terceiro lugar no governo do reino.»


Daniel interpreta o sonho17Da­niel respondeu deste modo ao rei: «Guardai as vossas dádivas; as vos­sas honrarias, dai-as a outro! Con­tudo, eu lerei ao rei o texto e dar-lhe-ei o significado dele.

18Ó rei, o Deus Altíssimo tinha dado a Nabu­codonosor, teu pai, a rea­leza e a grandeza, a glória e a ma­jes­­tade. 19Em razão desta grandeza que lhe tinha conferido, todos os povos, todas as nações e gentes de todas as línguas tremiam de medo diante dele. Matava a quem queria, como deixava com vida aquele que queria; exaltava ou humilhava quem ele de­sejava. 20Mas, tendo-se envaide­cido o seu coração e tendo-se endurecido o seu espírito até à presunção, foi deposto do trono real e despojado da glória. 21Foi expulso de entre os seres humanos e, tornando-se o coração dele semelhante ao das bestas, ficou na companhia dos burros selvagens, apascentando-se de erva como os bois; e o seu corpo foi ensopado pelo orva­lho do céu, até que reconheceu que o Deus Altíssimo domina sobre a rea­leza dos homens e a ela eleva quem bem lhe apraz. 22Tu, Baltasar, filho dele, embora conhecendo tudo isto, não humilhaste o teu coração. 23Mas levantaste-te contra o Senhor do Céu; trouxeram-te os vasos do seu templo, pelos quais bebeste vinho, tu, os teus grandes, as tuas mulheres e concubi­nas. Tributaste louvores aos deuses de prata, de ouro, de bronze, de ferro, de madeira e de pedra, que são cegos, surdos e nada conhecem, em vez de glorificares o Deus que tem na mão o teu sopro de vida e que conhece todos os teus passos. 24Por isso, foi enviada de sua parte esta mão, que traçou na pa­rede estas palavras.

25Eis o texto aqui escrito: ‘Mené, Te­quel e Parsin.’ 26Eis o sentido des­tas palavras: Mené: Deus mediu o teu reino e pôs-lhe um termo; 27Tequel: foste pesado na balança e encon­trado muito leve; 28Parsin: o teu reino foi dividido e entregue aos medos e aos persas.»

29Então, por ordem de Baltasar, Da­niel foi revestido de púrpura, pu­se­­ram-lhe ao pescoço um colar de ouro e publicou-se que teria o ter­ceiro lu­gar na governação do reino.

30Na mesma noite, foi morto Bal­ta­sar, rei dos caldeus.

Capítulo 6

Fidelidade de Daniel1Da­rio, rei dos Medos, recebeu o reino com a idade de cerca de sessenta e dois anos. 2Dario, o Medo, houve por bem nomear e distribuir por todo o reino cento e vinte sátrapas, 3subme­tidos a três ministros, um dos quais era Daniel; a estes tinham eles de prestar contas, a fim de que os inte­resses do rei não fossem lesados.

4Ora Daniel, em virtude da supe­rio­ridade do seu espírito, distinguia-se dos ministros e sátrapas e o rei pensava colocá-lo à frente de todo o reino. 5Por isso, os ministros e os sá­trapas procuraram o meio de acusar Daniel, em questões de interesse real. Mas não puderam descobrir qual­quer pretexto ou falta, porque era íntegro e nada se encontrava contra ele de errado ou repreen­sí­vel. 6Disseram, pois, esses homens: «Não encontra­re­mos motivo algum de acusação con­tra este Daniel, a não ser no que diz respeito à lei do seu Deus.»

7Então ministros e sátrapas, em tumulto, foram ter com o rei e dis­se­ram-lhe: «Rei Dario, viva o rei para sempre! 8Os ministros do reino, os prefeitos, os sátrapas, os conselhei­ros e os governadores estão todos de acordo que seja publicado um edito real para ordenar esta proibição: ‘Todo aquele que, no prazo de trinta dias, dirigir súplicas a qualquer deus ou homem que não sejas tu, ó rei, será lançado na cova dos leões.’ 9Pro­mulga, pois, ó rei, esta proibição e manda fazer dela um documento, a fim de que não possa ser anulada, con­forme a lei dos Me­dos e dos Per­sas, que é irrevogável.»

10Então, o rei Dario fez redigir o documento com a proi­bição.


Daniel na cova dos leões11Ao saber deste documento, Daniel en­trou em sua casa, a qual tinha, no pri­meiro andar, janelas que abriam para o lado de Jerusalém. Como até aí, conti­nuou a rezar e a louvar a Deus, de joe­lhos, três vezes ao dia. 12Nessa altura, aque­les homens acor­reram, alvoroçados, e encontraram Daniel em oração, invo­cando o seu Deus.

13Dirigiram-se imediatamente a casa do rei e disseram-lhe, a pro­pó­sito do decreto real de proibição: «Não pro­mul­gaste tu, ó rei, uma proibi­ção, declarando que quem, no período de trinta dias, invocasse algum deus ou homem que não fosses tu, seria lan­çado na cova dos leões?» Res­pon­deu o rei: «Com certeza, conforme a lei dos Medos e dos Persas, que não pode ser modificada.» 14«Pois bem – prosse­gui­ram eles – Daniel, o exi­lado de Judá, não teve consideração nem pela tua pessoa, nem pelo de­creto que promul­gaste. Três vezes ao dia, faz a sua oração.»

15Ao ouvir estas palavras, o rei, muito pesaroso, tomou a peito, ape­sar de tudo, a salvação de Daniel e nisso se aplicou até ao pôr-do-sol. 16Porém, os mesmos homens, em tu­multo, vie­ram novamente procurar o rei. «Sa­bei, ó rei – disseram-lhe – que a lei dos Medos e dos Persas não per­mite qualquer revogação de uma proi­­bi­ção ou de um decreto publi­cado pelo rei.»

17O rei, então, mandou levar Da­niel e lançá-lo na cova dos leões. Disse-lhe o rei: «O Deus que tu ado­ras com tamanha fidelidade, Ele pró­prio te libertará!» 18Trouxeram uma pedra, que rolaram sobre a aber­tura da cova: o rei selou-a com o seu sinete e com o sinete dos gran­des, para que nada fosse modificado em atenção a Daniel. 19Entrando no palácio, o rei passou a noite sem comer nada e sem mandar ir para junto dele concu­bina alguma; não conseguiu fechar os olhos.


Daniel ileso dos leões20De ma­dru­gada, levantou-se e partiu a toda a pressa para a cova dos leões. 21Quan­do estava próximo, com uma voz muito magoada, chamou Da­niel: «Daniel, servo do Deus vivo, o teu Deus, que adoras com tanta fideli­dade, teria podido libertar-te dos leões?» 22Da­niel dirigiu-se ao rei nestes termos: «Ó rei, viva o rei para sempre! 23O meu Deus enviou o seu anjo e fe­chou as fauces dos leões, que não me fize­ram qualquer mal, porque, aos olhos dele, estava inocente. Para contigo, ó rei, tão-pouco cometi qualquer falta.»

24O rei, então, cheio de alegria, or­de­nou que tirassem Daniel da cova. Daniel foi, pois, tirado sem qual­quer vestígio de ferimento, porque tinha fé no seu Deus. 25Por ordem do rei, trouxe­ram os acusadores de Daniel e atiraram-nos à cova dos leões, a eles, às mulheres e aos filhos. Ainda não tinham tocado o fundo da cova e já os leões os tinham agarrado e lhes tinham triturado os ossos.


Profissão de fé do rei26Então, o rei Dario escreveu: «A todos os povos, a todas as nações e à gente de todas as línguas que habitam a face da terra, paz e prosperidade! 27Pro­mulgo este decreto: ‘Que em toda a extensão do meu reino se tema e trema diante do Deus de Daniel, por­que Ele é o Deus vivo, que subsiste eternamente; o seu reino jamais será destruído e o seu domínio é perpé­tuo. 28Ele salva e Ele liberta, faz mila­­gres e prodígios no céu e na terra: foi Ele quem livrou Daniel das gar­ras dos leões.’»

29Foi assim que Daniel prospe­rou durante o reinado de Dario e durante o reinado de Ciro, o Persa.

Capítulo 7

Primeira visão: as quatro fe­ras (Ap 13,1-18) – 1No pri­mei­ro ano do reinado de Baltasar, rei da Babilónia, estando Daniel na cama, teve um sonho e visões. Con­signou por escrito este sonho e o essencial dos factos.

2Assim se exprimiu Daniel: «Na mi­nha visão noc­turna, eu via os qua­tro ventos do céu precipitarem-se so­bre o grande mar. 3Surgiram do mar quatro grandes animais, dife­rentes uns dos outros.

4O pri­meiro era semelhante a um leão, mas tinha asas de águia. Enquanto o contemplava, foram-lhe arranca­das as asas. Levantavam-no da ter­ra e endireitavam-no sobre os pés como um homem. Depois, deram-lhe um coração de homem.

5Em seguida, apareceu um se­gun­do animal semelhante a um urso; erguia-se sobre um dos lados e segu­rava na goela, entre os dentes, três costelas. Diziam-lhe: ‘Vamos! Devo­ra muita carne!’

6Depois disto, vi um ter­ceiro ani­mal parecido com uma pan­tera, que tinha sobre o dor­so qua­­tro asas de ave e também qua­tro ca­beças. Foi-lhe entregue a soberania.

7Enfim, quando contemplava es­tas visões nocturnas, divisei um quarto animal, horroroso, aterra­dor e de uma força excepcional. Tinha enormes dentes de ferro; devo­rava, depois fazia em pedaços e o resto calcava-o aos pés. Era dife­­rente dos animais anteriores, pois tinha dez chifres.

8Quando eu contemplava os chi­fres, eis que surgiu do meio deles um outro chifre mais pequeno. Para dar lugar a este chifre, três dos primei­ros foram arrancados. Este chifre tinha olhos como um homem e uma boca que proferia palavras arrogantes.»


O Ancião e o filho de homem9«Continuava eu a olhar, até que foram preparados uns tronos, e um Ancião sentou-se. Branco como a neve era o seu vestuário, e os cabe­los da cabeça eram como de lã pura; o trono era feito de chamas, com rodas de fogo flamejante. 10Corria um rio de fogo que jorrava da parte da frente dele. Mil milhares o ser­viam, dez mil miríades lhe assis­tiam.

O tribunal reuniu-se em sessão e foram abertos os livros. 11Eu olhava. Por causa do ruído das palavras arro­gantes que o chifre proferia, esse ani­mal foi morto e o seu corpo des­feito e atirado às chamas do fogo. 12Quanto aos outros animais, tam­bém lhes foi tirado o poderio; no entanto, a dura­ção da sua vida foi-lhes fixada a um tempo e uma data.

13Contemplando sempre a visão nocturna, vi aproximar-se, sobre as nuvens do céu, um ser semelhante a um filho de homem. Avançou até ao Ancião, diante do qual o conduzi­ram. 14Foram-lhe dadas as soberanias, a glória e a realeza. Todos os povos, to­das as nações e as gentes de todas as línguas o serviram. O seu impé­rio é um império eterno que não pas­sará jamais, e o seu reino nunca será des­truído.»


Interpretação da primeira visão 15Perante semelhantes visões, eu, Da­niel, senti-me esmagado, com o espírito perturbado. 16Aproximei-me de um dos assistentes e interroguei-o sobre a realidade de tudo aquilo. Respondeu-me e deu-me a explica­ção: 17«Estes portentosos animais, que são em número de quatro, são quatro reis que se levantarão da terra. 18Os santos do Altíssimo são os que hão-de receber a realeza e guardá-la por toda a eternidade.»

19Quis, então, conhecer exacta­mente o que se referia ao quarto animal, diferente dos outros, exces­si­vamente aterrador, cujos dentes eram de ferro e as garras de bronze, que devorava, depois desfazia em pe­daços e o que restava calcava-o aos pés. 20Desejei ser esclarecido acerca dos dez chifres que tinha na cabeça, bem como daquele outro chi­fre que tinha despontado e diante do qual três chifres tinham caído. É que esse chifre tinha olhos e uma boca que proferia palavras arrogan­tes e pare­cia maior que os seus com­panhei­ros. 21Tinha visto este chifre fazer guerra aos santos e levar van­tagem sobre eles. 22Mas o Ancião, quando veio, fez justiça aos santos do Altíssimo. A hora deles era aquela e obtiveram a posse do reino.

23Respondeu-me assim: «O quar­to animal será um quarto reino ter­restre, que será diferente de todos os reinos, devorará o mundo, o cal­cará e o reduzirá a pó. 24Os dez chi­fres designam dez reis, que surgirão neste reino, mas após estes surgirá um outro, diferente dos anteriores, o qual vencerá três reis. 25Proferirá insultos contra o Altíssimo, perse­gui­rá os santos do Altíssimo. Pen­sará em mudar os tempos sagrados e a religião. Os santos viverão sob a sua alçada, apenas durante um de­ter­minado espaço de tempo. 26Mas o julgamento continuará e tirar-lhe-ão o domínio, para o suprimir e ani­quilar definitivamente. 27A realeza, o império e a grandeza de todos os reinos, situados sob os céus, serão então devolvidos ao povo dos santos do Altíssimo. O seu reino é eterno e todas as soberanias o temerão e lhe prestarão obediência.»

28Aqui findou o relato. Quanto a mim, Daniel, os meus pensamentos perturbaram-me a tal ponto que mu­­dei de cor. Todavia, conservava tudo isto no meu coração.

Capítulo 8

Segunda visão: o carneiro e o bode (1 Mac 1; Ez 34) – 1No ter­ceiro ano do reinado de Baltasar, eu, Daniel, tive uma visão, depois daquela que tinha tido anteriormente. 2Nesta visão, encontrava-me na fortaleza de Susa, que defende a província de Elam.

Sem­pre em estado de visão, en­con­trei-me junto do rio Ulai. 3Le­van­­­tando os olhos, eis que vi um car­­neiro que estava em frente do rio. Tinha dois chifres, dois altos chi­fres, mas um deles era mais alto que o outro. Este chifre mais alto surgiu depois. 4Vi o carneiro acometer com os chi­fres na direcção do ocidente, do norte e do sul. Nenhum animal se manti­nha diante dele e ninguém era capaz de se libertar do seu poder. Fazia o que queria e aumentava o seu poder.

5Enquanto eu pensava atenta­mente, eis que um bode novo veio do ocidente e percorreu a terra toda sem tocar no chão; tinha entre os dois olhos um chifre muito saliente. 6Che­gou até junto do carneiro de duas hastes, que eu tinha visto deter-se em frente do rio, e correu contra ele num acesso de furor.

7Vi-o aproximar-se do carneiro. Cheio de fúria e raiva contra ele, agrediu-o, partiu-lhe os dois chifres, sem que o carneiro tivesse tido a força de lhe resistir. O bode lançou por terra o carneiro e calcou-o com as patas e ninguém interveio para livrar o car­neiro do ataque do seu adversário.

8Então, o bode cresceu extraor­di­na­ria­mente. Mas quando se tor­nou forte, o chifre grande partiu-se e foi substituído por quatro outros chi­fres, alongados na direcção dos qua­tro ventos do céu.

9De um destes chifres, aliás o mais pequeno, saiu um outro chifre, que se desenvol­veu considera­vel­mente na direcção do sul, na direcção do oriente e na direcção da nação glo­­riosa. 10Cresceu até atingir o exér­cito dos céus, do qual fez cair para a terra muitas estrelas e cal­cou-as com as patas. 11Levantou-se mesmo con­tra o chefe deste exér­cito, cujo sacri­fício perpétuo aboliu e arrasou o santuá­rio e o exército de Deus. 12Em vez do altar dos sacri­fí­cios, introduziu a ini­quidade e ati­rou por terra a ver­dade. O chifre pe­que­no teve bom êxito na sua empresa.

13Vi um santo que falava, a quem um outro santo perguntou: «Quanto tempo durará o que anuncia a visão, a propósito do holocausto perpétuo, da abominação devastadora, do abandono do santuário e do exército dos fiéis calcado aos pés?» 14Aquele respondeu: «Duas mil e trezentas tar­des e manhãs. Depois disso, o san­tuá­rio será restaurado.»


Interpretação da visão: o anjo Gabriel15Ora, enquanto eu con­templava esta visão e procurava com­preendê-la, notei que estava de pé, diante de mim, um ser de forma hu­mana. 16Ouvi uma voz de homem que vinha do meio do rio Ulai: «Ga­briel – gritava ela – explica-lhe a visão.»

17Dirigiu-se, nesse momento, para o lugar onde eu me encontrava. Ao aproximar-se, fui acometido de ter­ror e caí de face por terra. Gabriel disse-me: «Filho de homem, fica sa­bendo que esta visão se refere ao tempo final.»

18Enquanto me falava, desfalecia eu, de rosto por terra. Mas ele tocou-me e pôs-me de pé, aí onde me en­contrava. 19E disse-me: «Eis que vou manifestar-te o que advirá nos últi­mos tempos da ira, porque o fim tem a sua hora.

20O carneiro de dois chifres que viste representa os reis da Média e da Pérsia. 21O bode peludo é o rei de Javan; o chifre grande que ele tem entre os olhos é o primeiro rei. 22A sua fractura e o nascimento dos quatro chifres em lugar dele signi­ficam quatro reinos que saem desta nação, mas que não têm a sua força.

23No fim do seu império, quando os infiéis tiverem enchido a medida, surgirá um rei de modos duros e jeito astucioso. 24O seu poder cres­ce­rá, mas não por ele mesmo. Cau­sará extraor­dinárias devastações, será bem suce­dido em suas empresas, extermi­nará os poderosos e o povo dos santos. 25Graças à sua habili­dade, fará triun­far a perfídia. O seu cora­ção inchará de orgulho e leva­rá à morte muita gente à trai­ção. Levantar-se-á contra o príncipe dos príncipes, mas será esmagado sem intervenção de mão humana.

26A visão que te foi mostrada, a respeito das tardes e das manhãs, é perfeitamente verdadeira. Porém, tu guarda em segredo esta visão, por­que se refere a dias longínquos.»

27Então, eu, Daniel, desfaleci. Fi­quei doente durante muitos dias. De­pois disto, tornei a entregar-me ao trabalho do serviço do rei. Fiquei es­tu­pefacto com a visão que tive e que ninguém conseguia compreender.

Capítulo 9

Interpretação das 70 sema­nas (Jr 25,11-14; 29,10) – 1No primei­ro ano de Dario, filho de Artaxerxes, da des­cendência dos Medos, que tinha sido instalado no trono do impé­rio dos caldeus, 2no primeiro ano do seu reinado, eu, Daniel, pers­cru­tava as Escrituras sobre o número de anos que, segundo a palavra do Senhor dirigida ao profeta Jere­mias, deviam medir o tempo em que Jerusalém es­­taria em ruínas. Era de setenta anos. 3Voltei-me para o Senhor Deus, a fim de lhe dirigir uma súplica, jejuando e cobrindo-me de saco e cinza. 4Su­pliquei ao Senhor, meu Deus, e fiz-lhe a mi­nha confissão nestes termos:


Súplica de Daniel (Esd 9,5-15; Ne 9,6-37; Br 1,15-3,8) - «Ah! Senhor, Deus gran­de e temí­vel, que és fiel à Alian­ça e que man­téns o teu favor para com os que te amam e guardam os teus manda­men­tos. 5Todos nós pecá­mos, pre­va­ricámos, praticámos a ini­quidade, fo­mos revoltosos, afastámo-nos dos teus mandamentos e das tuas leis. 6Não escutámos os teus servos, os profetas, que falaram em teu nome aos nossos reis, aos nossos chefes, aos nossos pais e a todo o povo da nação.

7Para ti, Senhor, a justiça; para nós, a infâmia, como é hoje para as gentes de Judá, para os habi­tantes de Jerusalém e para todo o Israel, para aqueles que estão perto e aqueles que estão longe, em todos os países por onde os espalhaste, em conse­quên­cia das iniquidades que come­te­ram contra ti. 8Sim, ó Se­nhor, para nós a vergonha, para os nossos reis, para os nossos chefes, para os nos­sos pais, porque pecámos contra ti.

9No Senhor, nosso Deus, há mise­ri­córdia e perdão, pois nos revol­tá-­mos contra Ele. 10Recusámos escu­tar a voz do Senhor, nosso Deus; não seguimos as leis que nos propunha pela boca dos seus servos, os pro­fetas. 11Todo o Israel transgrediu a tua Lei e voltou-se para o outro lado, a fim de não ouvir a tua voz. Por isso, a maldição e a imprecação que cons­tam da Lei de Moisés, servo de Deus, foram espalhadas sobre nós, vis­to que pecámos contra Ele. 12Exe­cutou as ameaças proferidas contra nós e con­tra os nossos governantes: atirou so­bre nós calamidades tais, que nunca sob o céu houve uma, comparada àquela que fulminou Jerusalém. 13Foi de harmonia com o que está escrito na Lei de Moisés que nos advieram estas calamidades. E não procurá­mos apaziguar o Se­nhor, nosso Deus, re­nun­ciando às iniqui­dades e diri­gindo a atenção para a sua verdade. 14Por isso, o Senhor cuidou da desven­tura para a fazer cair sobre nós, pois que o Senhor, nosso Deus, é justo em tudo o que faz. Porém, não escutá­mos a sua voz.

15Agora, Senhor, nosso Deus, que fizeste sair o teu povo do Egipto, por tua mão poderosa, e criaste uma gló­ria que persiste ainda hoje, pecá­mos e praticámos o mal. 16Senhor, pela tua misericórdia, digna-te afastar a tua cólera e o teu furor da tua mon­tanha santa, Jerusalém, pois é por causa dos nossos crimes e dos peca­dos de nossos pais que Jerusalém e o teu povo estão expostos aos in­sul­tos de todos os que nos cercam.

17Escuta, pois, ó nosso Deus, a sú­plica insistente do teu servo. Pelo teu amor, Senhor, faz brilhar a tua face sobre o teu santuário devas­tado. 18Ó meu Deus, presta atenção e ouve-nos; abre os olhos para ver as nossas ruí­nas e a cidade que tem um nome que vem de ti. Não é por causa dos nossos actos de justiça que depomos a teus pés as nossas súplicas, mas em nome da tua gran­de misericór­dia.

19Senhor, ouve! Se­nhor, perdoa! Se­nhor, presta aten­ção! Actua! Pelo teu bom nome, ó meu Deus, não tar­des, porque foi o teu nome que foi dado à tua cidade e ao teu povo.»


Explicação do Anjo Gabriel20Fa­lava eu ainda, a pedir, a confessar o meu pecado e o do meu povo Israel, a depor aos pés do Senhor, meu Deus, a minha súplica em favor da sua montanha santa; 21não tinha terminado esta oração, quando se aproximou de mim, em voo rápido, Gabriel, o ser que tinha presenciado anteriormente em visão; era a hora da oblação da tarde.

22Para me informar, deu-me as seguin­tes explicações: «Daniel, vim neste momento aqui, para te esclarecer. 23Logo que tinhas começado a tua oração, uma pala­vra foi pronunciada e eu vim dar-ta a conhecer, porque és um homem de predilecção. Presta, pois, atenção a este oráculo e procura compreender bem a visão:

24Setenta semanas foram fixa­das ao teu povo e à tua cidade santa para conclusão da infidelidade, para can­celar os pecados e expiar a ini­qui­dade, para instaurar uma jus­tiça eterna, para selar a visão e a pro­fecia e para ungir o Santo dos San­tos. 25Sabe pois e compreende isto: após a decla­ração do decreto sobre a restauração de Jerusalém até a um chefe ungido, ha­verá sete semanas. Depois, du­rante sessenta e duas se­ma­nas, Jerusa­lém reaparecerá e será reedificada a praça e o muro. Mas tudo isto será feito entre angús­tias e dificuldades.

26Após estas ses­senta e duas se­manas, um ungido será exterminado e ninguém lhe su­ce­derá. A cidade e o santuário serão destruídos por um chefe invasor; ela acabará devas­tada e até ao fim ha­verá guerra e devas­tação decretada. 27Ele concluirá uma sólida aliança com um grande nú­mero, por uma se­mana; ao meio da semana fará cessar o sacrifício e a oblação e, sobre o pináculo do tem­plo, estará a abominação devastadora, e isto até que a destruição decre­tada se es­tenda sobre o devastador.»

Capítulo 10

Visão final: vitória de Mi­guel para o povo judeu1No terceiro ano de Ciro, rei da Pér­sia, um oráculo foi revelado a Daniel, cognominado Beltechaçar. Este orá­culo era verídico e anunciava gran­des lutas. Daniel entendeu o orá­culo e teve a compreensão da visão.

2Naqueles dias, eu, Daniel, fazia penitência durante três semanas. 3Não tomei qualquer alimento deli­cado, não entrou em minha boca nem carne nem vinho; não me ungi com azeite, enquanto decorreram estas três semanas. 4No vigésimo quarto dia do primeiro mês, encon­trava-me eu na margem do grande rio Tigre. 5Levantando os olhos, vi um homem vestido de linho. Tinha sobre os rins uma cinta de ouro de Ufaz. 6O corpo era como que de cri­sólito; a face brilhava como o relâm­pago, os olhos como fachos ardentes, os braços e os pés tinham o aspecto do bronze polido e a sua voz res­soava como o rumor de uma multi­dão.

7Só eu, Daniel, é que pude con­tem­­plar esta aparição; aque­les que esta­vam comigo não a vi­ram, mas apo­derou-se deles um tão grande pavor que correram a escon­der-se. 8Então, fiquei sozinho, conti­nuando a presen­ciar esta porten­tosa aparição. Falta­ram-me as forças; tor­nou-se lívida a cor do meu rosto e desfaleci.


Aparição do Anjo9Ouvi falar este homem e, ao som das suas palavras, caí desmaiado, com a face por terra. 10Mas eis que uma mão me tocou e me sacudiu, colocando-me sobre os joe­lhos e as palmas das mãos. 11Disse-me ele: «Daniel, homem de predi­lec­ção, aten­de às pa­lavras que te vou diri­gir. Levanta-te, pois te­nho uma men­­sa­gem a comu­nicar-te.»

Quando me falou assim, pus-me de pé, todo a tremer. 12Disse-me: «Não tenhas medo, Daniel, porque, desde o primeiro dia em que te apli­caste a compreender e te humi­lhaste diante do teu Deus, a tua oração foi aten­dida e é por causa de ti que eu aqui venho. 13O príncipe do reino da Pér­sia resistiu-me durante vinte e um dias; mas Miguel, um dos pri­mei­ros príncipes, veio em meu socorro. Deixei-o a bater-se com os reis da Pérsia, 14e aqui estou para te fazer compreender o que deve acontecer ao teu povo nos últimos dias. Esta visão diz respeito ainda aos tempos longínquos.»

15Enquanto ele me dirigia estas pala­vras, eu tinha o meu olhar fixo na terra e continuava mudo. 16De re­pente, alguém com forma de ho­mem tocou-me nos lábios. Abri a boca para falar e disse àquele que se en­con­tra­va junto de mim:

«Meu senhor, esta visão abalou-me e não tenho forças nenhumas. 17Como é que o servo do meu senhor poderá conversar com o seu mestre, se estou no fim das forças e sem fôlego?» 18Então, o ser com forma de homem tocou-me novamente e deu-me vigor. 19Disse-me: «Não receies, homem de predilecção! Que a paz seja contigo! Coragem! Coragem!»

En­quanto me falava, senti-me rea­­ni­mado. «Que fale o meu senhor – disse eu – já que tu me deste forças.»

20Replicou-me: «Sabes porque te vim procurar? Eu devo regressar à luta contra o príncipe da Pérsia. Quando acabar esta luta, surgirá o príncipe da Grécia. 21Mas vou dar-te a conhecer o que está escrito no livro da verdade. Ninguém me ajuda nestes trabalhos, a não ser Miguel, o vosso príncipe.»

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