Capítulo 1

Prólogo1Livro da história de Tobite, filho de Tobiel, filho de Ana­niel, filho de Aduel, filho de Ga­bael, filho de Rafael, filho de Ra­guel da descendência de Assiel, da tribo de Neftali, 2o qual, no tempo de Sal­manasar, rei da Assíria, foi levado cativo de Tisbé, que fica à direita de Cadés de Neftali, na Ga­lileia Seten­trional, acima de Haçor, do outro lado do caminho do Poente, à esquerda de Fogor.


Piedade de Tobite3Eu, Tobite, andei sempre pelos caminhos da verdade e da justiça, durante todos os dias da minha vida, dando mui­tas esmolas aos meus irmãos, os da minha nação que comigo tinham sido levados cativos para a terra dos assírios, em Nínive. 4Quando ainda vivia na minha pátria, na terra de Israel, no tempo da minha juven­tude, toda a tribo de Neftali se afas­tou da casa de David, meu pai, e de Jeru­sa­lém, a única cidade escolhida entre todas as tribos de Israel para se ofe­recer sacrifícios por todas elas. Nela foi edificado o templo, onde Deus habita, o qual foi consagrado para todas as gerações futuras. 5To­­dos os meus irmãos, assim como a casa de Neftali, meu pai, ofereciam sacri­fícios sobre todas as montanhas da Galileia, ao bezerro, que Jeroboão, rei de Israel, mandara fazer em Dan.

6Eu, porém, era o único que ia mui­tas vezes a Jerusalém, durante as fes­tas, conforme está ordenado a Israel por preceito eterno. Eu ia a Jerusalém levando as primícias, os dízimos das colheitas e as primeiras lãs das ovelhas 7e entregava tudo aos sacerdotes, filhos de Aarão, diante do altar. Eu entregava o dí­zimo do trigo, do vinho, do azeite, das romãs, dos figos e dos demais frutos, aos fi­lhos de Levi em função em Jerusa­lém. Durante seis anos, eu converti o segundo dízimo em di­nhei­ro, e ia gastá-lo cada ano em Jerusa­lém. 8O terceiro dízimo, eu desti­nava-o aos órfãos, às viúvas e aos prosélitos que se tinham jun­tado aos filhos de Israel. Dava-o de três em três anos, e consumíamo-lo con­forme o pre­ceito da lei de Moisés e as reco­men­dações de Débora, mãe de Ananiel nosso pai, pois que meu pai, mor­rendo, me tinha deixado órfão.

9Já homem, tomei por esposa Ana, da tribo de meu pai e dela tive um filho, a quem dei o nome de To­bias. 10Quando fomos levados ca­ti­vos para Nínive, todos os meus ir­mãos e os da minha linhagem co­miam dos alimentos dos gentios. 11Eu, porém, abstinha-me de os co­mer, 12porque, com toda a minha al­ma, me lem­brava de Deus.

13Por isso, o Altís­simo con­cedeu-me favor e graça pe­rante Sal­ma­na­sar, que me fez seu provedor. 14Via­jando pela Média, onde fazia com­pras para o rei, até à sua morte, depo­si­tei junto de Gabael, irmão de Gabri, em Ra­gués da Média, dez ta­lentos de pra­ta, guardados em saqui­nhos.

15Por morte de Salmanasar, su­ce­deu-lhe seu filho, Senaquerib. Os caminhos para a Média tornaram-se pouco seguros, de modo que não pude lá voltar. 16Durante o reinado de Sal­manasar, eu dava muitas es­molas aos meus irmãos, 17forne­cen­do pão aos esfomeados e vestindo os nus, e se encontrava morto al­guém da mi­nha linhagem, atirado para junto dos muros de Nínive, dava-lhe sepul­tura. 18Enterrei também aque­­­les que Senaquerib mandara matar, quando regressou, fugindo da Ju­deia, du­rante o tempo do castigo que o rei do céu mandou sobre os que blas­fe­ma­vam. De facto, na sua ira, o rei man­dou matar a muitos. Eu, então, rou­bava os corpos para os sepultar. Depois, quando o rei procurava os corpos, não os conseguia encontrar.

19Um habitante de Nínive foi in­for­mar o rei de que era eu quem en­ter­rava os mortos secretamente e, en­tão, tive de me ocultar. Sabendo que ele estava informado e me pro­cu­­ra­va, para me matar, fugi com medo. 20Assim, fui despojado de tudo o que possuía. Tudo passou para o tesouro do rei e só fiquei com Ana, minha mu­­lher, e com Tobias, meu filho. 21Ain­da não tinham passado qua­ren­ta dias quando os seus dois fi­lhos o mataram e fugiram para os montes de Ararat. Sucedeu-lhe seu filho, Saquer­dão, o qual colocou Ai­car, filho de meu ir­mão Anael, à frente de toda a con­tabilidade admi­nistrativa do reino e este ficou com o poder sobre toda a sua casa. 22Nessa altura, Aicar inter­­cedeu por mim e eu pude voltar para Nínive. No tempo de Senaquerib, rei da As­síria, Aicar era copeiro-mor, mi­nis­tro da justiça, administrador e superintendente, e Saquerdão recon­­­duziu-o em todos os seus cargos. Ele era meu sobrinho, um membro da mi­nha família.

Capítulo 2

Cegueira e resignação de Tobite1No reinado do rei Saquerdão, voltei para a minha casa e foi-me restituída a companhia da minha mulher Ana e do meu filho Tobias. Pela festa do Pentecostes, que é a nossa festa das Semanas, mandei preparar um bom almoço e reclinei-me para comer. 2Mas, ao ver a mesa coberta com tantas comidas finas, disse a Tobias: «Filho, vai pro­­curar, entre os nossos irmãos cati­vos em Nínive, um pobre que seja de coração fiel, e trá-lo para que par­ticipe da nossa refeição. Eu espero por ti, meu filho.» 3Tobias saiu à pro­cura de um pobre entre os nossos irmãos. Ao regressar disse: «Pai.» Eu respondi: «Eis-me aqui, meu filho.» Tobias continuou: «Pai, alguém da nossa linhagem está morto na praça pública, onde o estrangularam.»

4Le­vantei-me, então, sem nada ter co­mido e levei o cadáver da praça para um casebre, esperando o pôr-do-sol para o poder sepultar. 5A se­guir, vol­­tei, lavei-me e almocei com tristeza, 6recordando-me das pala­vras do pro­­feta Amós, ditas sobre Betel: «As vos­­sas festas converter-se-ão em luto e os vossos cantos, em lamenta­ções.» E eu chorei. 7Quando mais tarde o sol se pôs, saí, cavei uma cova e sepul­tei-o. 8Os meus vizi­nhos, porém, zom­ba­vam de mim, dizendo: «Ainda agora não tem me­do. Já o procuraram para o matar por causa disso e teve de fu­gir; con­tudo, ei-lo de novo a sepultar os mor­tos.»

9Naquela mesma noite, depois de ter enterrado o cadáver, lavei-me, entrei no pátio da casa e deitei-me junto do muro, deixando a face des­coberta por causa do calor. 10Não sabia que havia pássaros no muro por cima de mim e, tendo os olhos abertos, os pássaros deixaram cair nos meus olhos excremento quente, dando ori­gem a umas manchas brancas. Pro­curei os médicos para me tratarem. Contudo, quanto mais me aplica­vam medicamentos, mais se me cegavam os olhos por causa das escamas, até que perdi total­men­te a vista. Fiquei cego quatro anos. Todos os meus ir­mãos se afli­giam por minha causa e Aicar sus­tentou-me por dois anos, antes de partir para Elimaida.

11Nessa época, Ana, minha mu­lher, trabalhava em labores femininos, tecendo a lã 12que depois mandava aos patrões, recebendo em seguida o pagamento. Ora, no sétimo dia do mês de Distro, cortou o tecido que confeccionara e mandou-o aos que o tinham enco­men­dado; estes paga­ram-lhe o pre­ço devido pelo tecido e ainda lhe ofereceram um cabrito. 13Quando o ca­brito chegou a casa, começou a balir. Chamei, então, Ana e disse-lhe: «De onde veio este ca­brito? Não terá sido furtado? Devolve-o aos seus do­nos, porque não nos é lícito comer coisa alguma furtada.» 14Disse-me ela: «Foi-me dado de pre­sente, além do meu salário.» Con­tudo, não acre­ditando nela, mandei que o devol­vesse aos donos, enver­gonhando-me do seu procedimento. Porém, ela respondeu: «Onde estão as tuas esmo­las? Onde estão as tuas boas obras? Aí tens, agora, o resul­tado.»

Capítulo 3

Oração de Tobite1Entris­teci-me, chorei, e com aflição orei, di­zendo:

2«Tu és justo, Senhor! Todas as tuas obras são justas e todos os teus caminhos são misericórdia e ver­dade; Tu és o juiz do mundo. 3Agora, Se­nhor, recorda-te de mim, olha para mim. Não me castigues, por causa dos meus pecados e dos meus erros, nem pelos pecados que os meus pais cometeram contra ti. 4Violando os teus mandamentos, nós pecámos diante de ti. Por isso, Tu permitiste que nos roubassem os nossos bens e abandonaste-nos ao cativeiro e à morte. Fizeste de nós objecto de es­cárnio e injúria de to­dos os gentios, entre os quais nos dispersaste. 5Agora, trata-me segun­do as minhas culpas e as culpas dos meus pais, porque todos os teus juí­zos são verdadeiros e porque nós não observámos os teus manda­mentos, e não caminhámos diante de ti na verdade. 6Assim, faz comigo o que quiseres. Dá ordem para que a minha vida me seja tirada, de forma que eu desapareça da face da terra e me converta em pó; porque para mim é melhor morrer do que viver, pois tive de ouvir ultrajes e mentiras, e uma grande tristeza me acabrunha. Senhor, permite que eu seja libertado desta angústia, faz-me chegar à morada eterna e não afastes de mim, Senhor, a tua face, pois para mim é melhor morrer do que ter sempre diante de mim esta angústia e ter de ouvir os insultos!»


7Naquele mesmo dia, aconteceu que Sara, filha de Raguel, estando em Ecbátana, na Média, teve de ou­vir também ela, injúrias de uma das escravas de seu pai. 8Ela fora dada como esposa a sete maridos. Mas As­modeu, um demónio maligno, matara-os, antes que se pudessem aproxi­mar dela como esposa. Disse-lhe, pois, a serva: «És tu que matas os teus ma­ridos! Já foste dada a sete homens e com nenhum até agora ficaste ca­sada. 9Porque nos espancas por terem mor­rido os teus maridos? Vai-te embora com eles, e não vejamos de ti nem filho nem fi­lha, por toda a eterni­dade!» 10Na­quele dia, a alma de Sara encheu-se de tristeza e ela pôs-se a chorar. Subiu, então, ao quarto de seu pai, com intenção de se enforcar. Toda­­via, reflectiu de novo e disse para consigo: «Não posso fazer tal coisa. Poderiam escarnecer de meu pai e dizer-lhe: ‘Tiveste uma filha única, muito querida, e ela enforcou-se, por causa das suas desgraças’. Assim, levaria eu para a região dos mortos a velhice de meu pai, consu­mida pelo luto. É melhor, então, que não me enforque, mas peça ao Se­nhor a morte, para que nunca mais ouça insultos em toda a minha vida.»


Oração de Sara11Naquele ins­tante, Sara estendeu os braços para a janela e orou nestes termos:

«Bendito és Tu, Deus misericor­dioso! E bendito é o teu nome por todos os séculos! Louvem-te todas as tuas obras, pela eternidade! 12Eis que agora ergo para ti a minha face e os meus olhos. 13Manda que eu seja retirada da terra, para que ja­mais ouça tais opróbrios.

14Tu sabes, Senhor, que estou pura de toda a mácula contraída com al­gum ho­mem, 15e que nunca man­chei o meu nome nem o de meu pai nesta terra do meu cativeiro. Sou filha única de meu pai. Ele não tem outro des­cen­dente que possa constituir her­deiro, nem tem parente próximo ou com­panheiro da mesma tribo, para o qual eu me deva guardar como es­posa. Morreram-me já sete maridos; para quê, pois, me serve a vida? Se, porém, não ma quiseres tirar, Se­nhor, escuta-me, na minha angús­tia.»


Deus ouve as orações de Tobite e de Sara16Na mesma hora, foi ouvida a oração de ambos na pre­sença da glória de Deus. 17Por isso, foi enviado Rafael para os curar: tirar as escamas brancas dos olhos de To­bite, a fim de que com os seus pró­prios olhos pudesse ver a luz de Deus; e dar Sara, filha de Raguel, como es­posa a Tobias, filho de Tobite, expul­­sando dela Asmodeu, o demónio ma­ligno, pois a Tobias, de preferência aos demais preten­den­tes, competia tomá-la para si. No mesmo instante, Tobite voltou para sua casa e Sara, filha de Raguel, desceu do quarto.

Capítulo 4

Conselhos de Tobite a seu fi­lho1Naquele dia, Tobite re­cordou-se do dinheiro que depo­si­tara junto de Gabael, em Ragués na Mé­dia, 2e disse para consigo: «Eu pedi para mim a morte. Assim, porque não hei-de chamar meu filho To­bias, a fim de o informar a res­peito desse dinheiro, antes de mor­rer?» 3Chamou, então, Tobias e disse-lhe: «Se eu morrer, meu filho, sepul­­tar-me-ás e não desprezarás a tua mãe; honra-a sempre, todos os dias da tua vida, age de acordo com a sua von­tade e não a entristeças. 4Lem­bra-te, filho, dos muitos trabalhos e peri­gos que ela passou por ti, quando te tra­­zia no seio. Quando morrer, se­pulta-a ao meu lado, no mesmo túmulo.»


Exortação à solidariedade5«Lem­­bra-te sempre, filho, do Senhor, nosso Deus, em todos os teus dias, evita o pecado e observa os seus man­damentos. Pratica a justiça em todos os dias da tua vida, e não andes pe­los caminhos da injustiça. 6Para os que praticam a verdade, todas as suas obras serão bem sucedidas, como as de todos aqueles que pra­ticam a justiça. 7Dá esmolas, con­forme as tuas posses. Nunca afastes de algum pobre o teu olhar, e nunca se afastará de ti o olhar de Deus.

8Filho, procede conforme as tuas posses: se possuíres muita riqueza, dá esmola em proporção da mesma; se, porém, dispuseres de pouco, dá em proporção desse pouco. Nunca tenhas receio de dar esmola. 9As­sim, acumularás em teu favor, um bom depósito para o dia da neces­sidade. 10De facto, a esmola liberta da morte e não permite que a alma desça para as trevas. 11A esmola é, aos olhos do Altíssimo, uma dádiva sagrada de grande valor, que apro­veita a todos os que a oferecem.»


Endogamia e amor fraterno12«Filho, guarda-te de toda a impu­reza e, antes de mais nada, escolhe mulher da linhagem de teus pais. Não escolhas mulher estran­geira, que não seja da estirpe de teu pai, pois somos filhos de profetas. Recorda-te de Noé, de Abraão, de Isaac e de Ja­cob, nossos antepas­sados de tem­pos antigos. Todos eles escolheram como mulher, alguém da sua linha­gem e foram aben­çoa­dos nos seus filhos e a sua des­cen­dência terá a herança na terra. 13Por isso, meu filho, ama os teus irmãos. No teu coração, não haja desprezo pelos teus irmãos, fi­lhos e filhas do teu povo. Entre eles esco­lhe a tua mulher. Com efeito, na soberba está contida muita corrup­ção e discórdia, e na maldade está encerrada grande penúria e indi­gên­­cia, pois a maldade é a mãe da fome.»


A verdadeira educação14«Não fiques, nem por uma só noite, com o salário de um operário que trabalhe para ti; entrega-lho imediatamente. Se servires a Deus, Ele te recom­pen­sará. Presta atenção, filho, a todas as tuas obras e mostra-te prudente e bem educado em todas as tuas acções. 15Aquilo que não que­res para ti, não o faças aos outros. Não bebas vinho até à embriaguez, e que esta nunca te acompanhe no teu cami­nho.

16Reparte o teu pão com os famin­tos e as tuas vestes com os nus. Tudo quanto te sobejar, dá-o de esmola, e não fiques com os olhos postos no que tiveres dado. 17Põe o teu pão e o teu vinho sobre a sepultura do justo e não comas nem bebas com os pecadores. 18Se­gue o conselho de todo o homem sensato e não des­pre­zes nenhuma recomendação útil.

19Bendiz o Se­nhor Deus, em todo o tempo, e pede-lhe para que os teus caminhos sejam rectos, e para que todos os teus pro­jectos e conselhos sejam bem enca­minhados; porque o conselho não pertence ao homem. Só o Senhor é que dá todos os bens e humilha a quem quer, conforme a sua vontade. Lembra-te, pois, meu filho, destes preceitos, que eles não se apaguem do teu coração.»


A herança de Tobias20«Agora, meu filho, comunico-te que deposi­tei dez talentos de prata em poder de Gabael, filho de Gabri, em Ra­gués, na Média. 21Não temas, filho, pelo facto de termos empobrecido. Possuirás, na verdade, muitas rique­­zas, se temeres a Deus, se evitares o pecado e se praticares o bem na pre­sença do Senhor, teu Deus.»

Capítulo 5

Primeira cena1Tobias res­pon­­deu a seu pai, Tobite, dizendo-lhe: «Tudo o que me mandaste, pai, eu o farei. 2Mas, como poderei cobrar o di­nheiro de Gabael, se não o co­nheço? Que sinal lhe hei-de dar para que me reco­nheça, creia em mim e me entregue o dinheiro? Também não conheço os caminhos para a Média, para lá che­gar.»

3Tobite replicou a seu filho To­bias: «Ele entregou-me um docu­mento assinado por ele, e eu entreguei-lhe outro assinado por mim. Dividi-o em dois pedaços, dos quais cada qual to­mou um, e meti o meu junto do di­nheiro. Faz agora vinte anos que dei­xei essa quantia em depó­sito. Por­­­tan­to, filho, pro­cura um homem de confiança, que possa viajar contigo, e dar-lhe-emos uma remuneração, pelo tempo da viagem. Vai lá cobrar esse dinheiro, enquanto eu estou vivo.»


Segunda cena4Tobias saiu à procura de um homem que viajasse com ele para a Média e conhecesse o caminho. Tendo saído, deparou-se-lhe o anjo Rafael, sem que ele sou­besse que era um anjo de Deus. 5Per­gun­tou-lhe, então, Tobias: «Quem és tu, jovem?» Ele respondeu: «Sou dos fi­lhos de Israel, teus irmãos. Vim aqui procurar trabalho.»

Interrogou-o de novo Tobias, di­zendo-lhe: «Conhe­ces o caminho para a Mé­dia?» 6O anjo respondeu: «Sem dúvida, já muitas vezes estive lá, e conheço todos os caminhos. Viajei mui­tas vezes para a Média e per­noi­tei em casa de Ga­bael, nosso irmão, que mora em Ra­gués, na Média. Esta cidade fica exacta­mente a dois dias de viagem de Ecbá­tana. Pois Ra­gués está si­tuada nas monta­nhas.»

7Disse-lhe então Tobias: «Espera-me um pouco; vou dizê-lo ao meu pai, pois preciso de ti como compa­nheiro; pagar-te-ei o teu salá­rio.» 8Ao que o anjo respondeu: «Es­perarei, mas não te demores muito.»


Terceira cena9Tobias, entrando, disse ao pai: «Encontrei um dos nos­sos irmãos, um dos filhos de Israel.» Tobite respondeu-lhe: «Chama-o, porque quero saber a que tribo per­tence e se é pessoa de confiança para te acompanhar.» 10Saiu, então, To­bias e chamou o anjo, dizendo: «Jo­­vem, o meu pai chama-te.» Quan­­do Rafael entrou, Tobite saudou-o em primeiro lugar. O anjo res­pon­deu-lhe: «A alegria esteja sempre contigo!» Replicou Tobite: «Que alegria poderá ainda haver para mim? Sou um homem que não pode fazer uso dos olhos, não vejo a luz do céu. Pelo contrário, moro nas trevas como os mortos, que não distinguem a luz. Em plena vida, encontro-me entre os mortos; ouço a voz dos homens, mas não os vejo.» Disse-lhe o anjo: «Coragem! Deus não tardará em te curar; tem coragem!» Disse então Tobite: «Meu filho Tobias quer via­jar para a Média; poderás partir com ele e guiá-lo? Pagar-te-ei o teu salá­rio, irmão.» Respondeu o anjo: «Eu posso acompanhá-lo. Co­nheço todos os caminhos; já fui muitas vezes à Média e percorri to­das as suas pla­nícies e mon­tanhas; conheço bem todos os seus cami­nhos.»

11Tobite interrogou-o: «Ir­mão, de que família e de que tribo és?» 12Ra­fael replicou: «Que neces­si­dade tens de saber a minha família e tribo? Não procuras um merce­nário?» Conti­nuou Tobite: «Quero saber tudo conforme a verdade; qual a tua família e qual o teu nome, irmão?» 13Respondeu o anjo: «Sou Azarias, filho de Ana­nias, o grande, um dos teus irmãos.» 14Ao ouvir isto, Tobite exclamou: «Sê bem-vindo, ir­mão, salvé! Não leves a mal, irmão, que eu tenha desejado conhe­cer a verdade, a respeito da tua ver­da­dei­ra família. És real­men­te um dos meus irmãos descen­den­tes de famí­lia honesta e distinta. Conheci Ana­nias e Natan, filhos de Chimeias, o grande, quando íamos a Jerusalém para adorar; e eles não se desen­ca­minharam. Os teus ir­mãos são gente de bem. És de boa raiz, irmão. Sejas bem-vindo!»


Quarta cena15E continuou: «Pagar-te-ei uma dracma por dia, e o sustento para ti, tal como para o meu filho. 16Quando regressares com o meu filho, então, dar-te-ei mais alguma coisa.» 17O anjo disse: «Eu vou com ele. Não tenhas medo! Par­tiremos e regressaremos com saúde, pois o caminho é seguro.»

Tobite disse-lhe: «Bendito sejas, irmão!» E chamou o filho e disse: «Prepara-te para a partida e parte com este teu irmão. Deus, que re­side nos céus, vos conceda uma via­gem feliz e vos traga de volta com saúde e que o seu anjo vos acom­panhe sãos e salvos.»

Puseram-se, pois, a caminho, de­pois de ter dado um beijo ao pai e à mãe. Tobite disse-lhe: «Vai com saúde!»


Quinta cena18Ao presenciar isto, Ana, sua mãe, pôs-se a chorar, di­zendo a Tobite: «Porque foi que man­daste o meu filho? Ele era o arrimo da nossa velhice; era ele que ia e vinha por nós. 19Oxalá nunca tivesse existido esse dinheiro, por causa do qual ficamos sem o nosso filho. 20O Senhor deu-nos o necessário para viver­mos até ao presente, e sempre vive­mos contentes.»

21Res­pondeu-lhe To­bite: «Não te preo­cupes. Ele voltará são, e hás-de vê-lo com os teus olhos, no dia em que voltar, salvo, para ti. 22Não te preocupes; não tenhas receio por ele, irmã! Um anjo bom acompanhá-lo-á; a sua viagem será feliz e re­gressará são e salvo.»

23Ela, então, deixou de chorar.

Capítulo 6

Primeira etapa1O jovem partiu juntamente com o anjo, e também o cão os seguiu. Cami­nha­ram juntos até que veio a primeira noite. Então, pararam para passar a noite junto do rio Tigre. 2O jovem desceu até ao rio, a fim de lavar os pés, e eis que um grande peixe emer­giu da água, tentando devorar-lhe o pé. Tobias deu um grande gri­to.

3Disse-lhe então o anjo: «Agarra o peixe e domina-o!» O jovem apo­de­rou-se do peixe e levou-o para terra. 4Continuou o anjo: «Abre-o, tira-lhe o fel, o coração e o fígado e guarda-os contigo. As vísceras, po­rém, deita-as fora. O fel, o coração e o fígado desse peixe são um óptimo remé­dio.» 5O jovem abriu o peixe, tirou-lhe o fel, o coração e o fígado. Assou uma parte do peixe e comeu-a. O resto, guardou-o depois de o ter sal­gado.

6Em seguida, continuaram juntos a viagem até às proximi­da­des da Mé­dia. 7Então, Tobias per­gun­tou ao anjo: «Irmão Azarias, que poder me­dicinal há no coração, no fígado e no fel do peixe?» 8Ele res­pondeu: «O cora­ção e o fígado quei­mados sobre as brasas afugentarão com o seu fumo toda a espécie de maus espíritos ou demónios, de um homem ou mulher. Desaparecerão de­fi­nitivamente, sem deixar nenhum rasto. 9Quanto ao fel, serve para un­gir quem sofra de cata­ratas, pois com ele ficará curado.»


Segunda etapa10Ora, tendo eles chegado à Média, quando se apro­xi­mavam de Ecbátana, 11Rafael disse ao jovem: «Tobias, irmão!» Este res­pondeu: «Eis-me aqui.» Ele, então, disse-lhe: «Esta noite devemos ficar em casa de Raguel. Este homem é teu parente e tem uma filha cha­mada Sara. 12Além de Sara, não tem filho nem filha. Tu és, entre todos os homens, o parente mais próximo da jovem, de modo que a deves tomar por esposa, e tudo o que pertence a seu pai te caberá a ti como he­ran­ça. A donzela é prudente, de ânimo forte e muito bela; e o seu pai é um homem bom.» 13E acrescentou: «É, portanto, direito teu tomá-la por es­posa. Ouve, então, o que vou fazer, irmão.

Eu falarei com o seu pai, esta noite, a respeito da donzela, para que te seja dada como esposa. Depois, quando deixarmos Ragués, celebra­remos as núpcias. Sei que Raguel não ta pode recusar nem prometê-la a outro, porque ele sabe que seria réu de morte, se procurasse casá-la com outro homem, conforme a sen­tença do livro de Moisés; e também sabe que é a ti, mais do que a qual­quer outro, que cabe receber a sua filha como herança. Por conse­guin­te, ouve-me ainda, irmão: Esta noite falaremos a respeito da jovem e con­cluiremos o seu noivado contigo. De­pois, quando voltarmos de Ra­gués, tomá-la-emos e levá-la-emos para tua casa.»

14Tobias, então, respondeu a Ra­fael: «Irmão Azarias, ouvi dizer que essa donzela já foi dada a sete ma­ri­dos, que morreram todos no apo­sento nupcial na mesma noite em que se aproximaram dela. Tam­bém ouvi di­zer a alguns que um demónio os ma­tou. 15Por isso, tenho medo. O demó­nio tem ciúmes dela. A ela não lhe faz mal, mas quando alguém se apro­xima dela, ele mata-o. Eu sou filho único de meu pai e receio mor­rer. Com a minha morte, levaria meu pai e minha mãe ao sepulcro, por causa do desgosto pela minha perda e eles não têm outro filho para os sepultar.»

16Respon­deu-lhe o anjo: «Não te recordas das palavras de teu pai, quando te acon­selhou a esco­lher uma mulher da tua própria família? Escuta-me, ir­mão, não te preocupes com o demó­nio e casa com ela. Tenho a certeza que esta mesma noite ela te será dada como esposa. 17Mas tu, quando entrares no aposento nupcial, pega no queima­dor de incenso e põe sobre as brasas bocados do coração e do fígado do peixe. Quando o de­mónio sentir o chei­ro, fugirá e nunca mais apare­cerá junto dela. 18Depois, quan­do quiseres aproximar-te dela, primei­ramente levantai-vos ambos, orai e invocai o Senhor do céu, para que sobre vós desçam a sua mise­ri­córdia e a sua salvação. Não temas, pois ela foi-te destinada desde a eter­ni­dade e tu a salvarás. Irá contigo e estou certo que dela terás filhos, os quais deverão ser como teus irmãos. Portanto, não estejas em cuidados!» 19Tobias, ao ouvir Rafael dizer que Sara era sua irmã, da linhagem do seu pai, concebeu grande amor pela jovem, e o seu coração afeiçoou-se-lhe.

Capítulo 8

A noite do matrimónio1Ten­­do acabado de comer e de beber, decidiram ir dormir. Acom­panha­ram, então, o jovem ao aposento nupcial. 2Lembrando-se das pala­vras de Ra­fael, Tobias tirou do seu saco o fí­gado e o coração do peixe e colocou-os sobre as brasas do in­censo. 3O cheiro do peixe afastou o demónio que fugiu para o Alto Egipto. Rafael seguiu-o e prendeu-o.

4Entretanto, os pais de Sara ti­nham saído e fechado a porta do quarto. Tobias, então, ergueu-se do leito e disse à esposa: «Irmã, levanta-te; vamos orar para que o Senhor nos conceda a sua mi­sericórdia e sal­va­ção.» 5Levanta­ram-se ambos e puse­ram-se a orar e a implorar que lhes fosse enviada a salvação, di­zen­do:

«Bendito sejas, Deus dos nossos pais, e bendito seja o teu nome, por todas as gerações; louvem-te os céus e todas as tuas criaturas, por todos os séculos. 6Tu criaste Adão e deste-lhe Eva, sua esposa, como amparo va­lioso, e de ambos procedeu a linha­gem dos ho­mens. Com efeito, dis­seste: Não é bom que o homem esteja só; faça­mos-lhe uma auxiliar semelhante a ele. 7Agora, Senhor, Tu bem sabes que não é com paixão depravada que agora tomo por es­posa a minha irmã, mas é com in­ten­ção pura. Permite, pois, que eu e ela encontremos mise­ricórdia e cheguemos juntos à ve­lhice.» 8E am­bos responderam ao mesmo tem­po: «Ámen! Ámen!» 9De­pois, deita­ram-se para passar a noite.


A alegria de Raguel10Raguel levantou-se, chamou os seus servos, e, tendo saído juntos, abriram uma sepultura, porque dizia: «Não acon­teça que ele venha a morrer e nos tornemos objecto de escárnio e opró­brio!» 11Quando acabaram de abrir a sepultura, Raguel entrou em casa, cha­mou a esposa 12e disse-lhe: «Man­da uma das nossas servas ver se está vivo; se não, enterrá-lo-ei e nin­guém o saberá.» 13Mandaram a serva dian­te deles, acenderam a lâmpada e abri­ram a porta. Ela entrou e viu que ambos dormiam juntos um sono profundo. 14A serva voltou e anun­ciou-lhes que Tobias vivia e nada de doloroso acontecera. 15Louvaram então o Deus do céu, dizendo:

«Ben­dito sejas, ó Deus, por toda a bênção pura; que te bendi­gam para sempre! 16Louvado sejas, pois deste-me ale­gria, não permi­tindo que acon­­te­ces­se o que eu es­perava, mas trataste-nos confor­me a tua grande misericórdia. 17Lou­vado sejas, Se­nhor, porque te compade­ceste de dois filhos únicos. Derrama sobre eles, Se­nhor, mise­ri­córdia e salvação, fazendo com que cheguem ao fim da sua vida em ale­gria e graça.» 18A seguir, mandou que os servos fechassem a sepultura antes do raiar do dia. 19Raguel disse à es­posa que preparasse pão em abun­­­­­­dância e ele foi ao curral, trou­xe dois bois e quatro carneiros, e assim co­me­­çaram a preparar o banquete. 20De­pois, chamou Tobias, e disse-lhe: «Du­­rante catorze dias não sai­rás da­qui, mas comerás e bebe­rás na mi­nha casa, alegrando, assim, a alma da mi­nha filha aba­tida pela dor. 21Do que possuo, toma metade e volta são e salvo com ela para a casa do teu pai. A outra me­tade será vossa, quan­do mor­­rermos, eu e mi­nha esposa. Cora­gem, filho! Sou teu pai e Edna é tua mãe; per­tencemos-te a ti e a esta tua irmã, desde agora e para sempre. Cora­gem, filho!»

Capítulo 10

Regresso de Tobias1En­tre­tanto, todos os dias, Tobite contava os dias necessários para a ida e para o regresso. Quando estes passaram sem que o filho apa­re­cesse, 2começou a dizer: «Talvez te­nham ficado retidos por lá ou, quem sabe, talvez Gabael tenha mor­­­rido e ninguém lhes entregue o dinheiro.» 3E começou a entristecer-se. 4Ana, sua esposa, dizia-lhe: «Não há dú­vida que o meu filho morreu; já não é dos vivos.» E começou tam­bém a chorar e a lamentar-se por causa do filho, dizendo: 5«Infeliz de mim, filho, que te deixei partir, tu, que eras a luz dos meus olhos!» 6Tobite, con­tudo repli­­cava-lhe: «Cala-te, não te preo­cupes, minha irmã; ele está bem. De­certo muitos afaze­res os solici­ta­ram por lá. Todavia, o homem que o acompa­nha é de con­fiança, um dos nossos irmãos. Não te entristeças, pois, por causa dele, minha irmã! Em breve es­tará aqui.» 7Ela, porém, res­pondia: «Deixa-me em paz e não me queiras enganar: o meu filho mor­reu.» E todos os dias ia ao caminho por onde ele partira, passava o dia sem comer e chorava a noite inteira, por To­bias, seu filho, sem poder dor­mir.

8Ao completarem-se os catorze dias das núpcias que Raguel tinha estabelecido com juramento, em favor da própria filha, Tobias foi ter com Raguel, e disse-lhe: «Deixa-me partir, pois sei que meu pai e minha mãe já perderam a esperança de me ver de novo. Rogo-te, pois, ó pai, que me deixes ir, a fim de voltar à casa de meu pai; já te contei em que con­dições o deixei.» 9Raguel respondeu a Tobias: «Fica aqui, comigo, filho; mandarei emissários a Tobite, teu pai, que lhe darão notícias tuas.» Replicou Tobias: «Não, de modo ne­nhum! Peço-te que me deixes voltar para casa do meu pai.»

10Levantou-se, então, Raguel e entregou a To­bias a sua esposa Sara e metade de tudo o que possuía: ser­vos e ser­vas, bois e ovelhas, asnos e camelos, roupas, pratas e utensí­lios. 11A se­guir, despediu-os em paz. Saudou Tobias, dizendo-lhe: «Sê feliz, filho: que o Deus do céu vos dê feliz via­gem e vos guie, a ti e a Sara, tua es­posa, e que eu veja os vossos fi­lhos, antes de morrer!» 12E abra­çando Sara, sua filha, disse-lhe: «Filha, vai para o teu sogro e a tua sogra, pois dora­vante, serão os teus pais, como aque­les que te deram a vida. Vai em paz, filha. Possa eu, enquanto viver, ouvir falar sempre bem de ti.» E, abra­çando-os a am­bos, deixou-os par­tir.

13Por sua vez, Edna disse a To­bias: «Filho, irmão querido, o Se­nhor te conduza de vol­ta a casa! Possa eu ver os teus filhos e de Sara, minha filha, antes de mor­rer, para que eu me ale­gre na presença do Senhor. Entrego a minha filha à tua guarda; nunca a entristeças, du­rante os dias da tua existência. Vai, pois, em paz, fi­lho. Da­qui em diante, serei tua mãe e Sara será tua irmã. O Senhor vos guie, a fim de que juntos vivais em paz e prosperidade, todos os dias da vossa vida.» Beijou-os a ambos e dei­­xou-os partir sãos e salvos.

14To­bias, de ânimo bom e alegre, deixou Ra­guel, bendizendo o Senhor do céu e da terra, Rei de todas as coisas, por lhe ter dirigido os passos de ma­neira tão feliz, e bendisse Ra­guel e Edna, nestes termos: «Dê-me o Senhor a graça de vos honrar todos os dias da minha vida.»

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