Tobite

Escrito sob a forma de um romance de cariz sapiencial, este livro narra-nos a história de Tobite, de Sara, mulher de seu filho Tobias, e das respectivas famílias. Apresentados como israelitas piedosos, que sempre permaneceram fiéis ao Senhor seu Deus, mesmo no meio das piores tribulações, constituem, por isso mesmo, um paradigma de comportamento nas circunstâncias normais da vida. Dentro desta pers­pectiva, toda a trama se desenrola em torno de questões práticas que vão sendo resolvidas sempre com uma fé inabalável em Deus e dentro da fideli­dade absoluta à sua vontade. Atribuindo-lhe uma linguagem dos nossos dias, poderíamos dizer que se trata de um tema de amor. Amor de dois jovens esposos; amor das diversas personagens dentro do quadro das respectivas famílias; amor dos fiéis pelo seu Deus que, através dos séculos e do suceder-se aparentemente inocente dos acontecimentos, guia o seu povo em direcção ao cumprimento do seu destino de realização plena.


O TEXTO

A história da sua transmissão é algo atribulada e só com alguma dificuldade entrou no conjunto dos livros canónicos. Com efeito, é considerado apócrifo pelas Igrejas Evangélicas, não faz parte do cânone hebraico e só o Concílio de Hipona, em 393, o admitiu como inspirado. O li­vro foi redigido em aramaico, língua esta que, sendo próxima do hebraico, rapidamente se tornou também veículo de comunicação em toda a zona do Crescente Fértil e das suas zonas circundantes. Não chegou até nós nenhuma versão do texto nesta língua. Assim, o conhecimento que temos desta obra, é através das suas traduções em grego e latim. Para a tradução que se segue, usamos quase exclusivamente o chamado texto longo da versão dos LXX.


AMBIENTE E CRONOLOGIA

Não há unanimidade acerca da data de composição do livro. Para uns, teria sido escrito provavelmente entre os anos 200 e 180 a.C. e para outros numa data muito posterior. Como quer que seja, todo o texto deixa perceber um ambiente ligado à diáspora, em torno à época do exílio persa. Contudo, e independentemente das consi­de­rações cronológicas, é um texto com uma intencionalidade didáctica e edifi­cante evidente, visível não só a partir da sua forma narrativa, em jeito de saga, mas também a partir da constatação do pouco cuidado que o autor colocou nas referências cronológicas, históricas e geográficas, que resultam, na sua maioria, incoerentes.


CONTEÚDO

O esquema geral da obra é a sequência da sua história: Ori­gens de Tobite e a sua piedade (cap. 1). Tobite no cativeiro (2,1-9). A sua resigna­ção nas provas (2,10-3,6). Sara, no meio da sua afli­ção, ora ao Senhor (3,7-17). Discurso de Tobite a seu filho (cap. 4). O filho de Tobite empreende a viagem, acompanhado por um anjo (5,1-6,9). Bodas do filho de Tobite com Sara (6,10-8,9). Gabael assiste às bodas (cap. 9). Regresso de Tobias para junto de seus pais (10-11). Reve­la­ção do anjo (cap. 12). Cântico de Tobite (cap. 13). Mortes de To­bite e de Tobias (cap. 14).


DIVISÃO E CONTEÚDO

O livro pode dividir-se nas seguintes secções:

I. História de Tobite: 1,1-3,6;
II. História de Sara: 3,7-4,21;
III. Preparação da viagem: 5,1-23;
IV. Viagem à Média: 6,1-19;
V. Casamento de Tobias e Sara: 7,1-14,15.


MENSAGEM TEOLÓGICA

Depois do Exílio, enquanto uma parte do povo judeu se reuniu à volta de Jerusalém, um grande número perma­neceu na Babilónia e nos outros territórios em redor de Israel: no Egipto, na Assí­ria e nos territórios que actualmente constituem a zona norte do Irão. Muito provavelmente, o livro de Tobite nasce dentro deste ambiente linguístico e geográfico. Ao ser um texto narrativo de carácter “roman­ceado”, a atenção do leitor é levada a centrar-se nas personagens, nas suas genealogias escru­pu­losamente israelitas e na forma fiel e piedosa segundo a qual orientam as suas vidas. Estas carac­te­rísticas, típicas dos inter­­ve­nien­tes, são ainda pos­tas em relevo graças ao re­curso sistemático a com­­pa­ra­ções, quer com os ou­tros membros do povo de Israel, quer com as perso­na­gens reais com as quais cada um deles se vai rela­­cionando.

Assim, o texto avança claramente em dois ní­veis paralelos e con­cên­tri­cos de desenvolvi­men­to: por um lado, o nível da fidelidade e piedade de Tobite e dos seus fami­lia­res directos; por outro, a infidelidade do povo e a impiedade dos governan­tes. Todo o enredo, na sua forma simplista, está im­pre­gnado de um incon­fun­dível sabor sapiencial e de referências indis­far­çá­veis, por exemplo, à His­tó­ria de José e à persona­gem de Job.

Nesta simplicidade li­near, o texto não é capaz de criar qualquer tensão dramática. Desde o iní­cio, o leitor tem a sensa­ção de já saber o que vem a seguir. Seguindo as re­gras típicas deste género, o texto avança num cres­cendo de complicação com sucessivos momentos de resolução, atin­gindo o cli­max ou ponto de viragem quando ficam resolvidas as duas dificul­dades prin­­­cipais ligadas à questão da herança: o aspecto fi­nanceiro e a descen­dên­cia, que se supõe venha a seguir-se à conclusão fel­­iz do casamento de Sara e Tobias.

Apesar disto, e na sua ingenuidade, o livro de To­­­bite respira um am­biente de fé incon­dicional em Deus. Para além das tribula­ções e dificulda­des sofri­das, as persona­gens centrais vivem com a cer­te­za inabalável da pre­sen­ça de Deus, como condu­tor da História, e da re­com­­pensa que hão-de ter pela sua fidelidade.

O próprio nome de To­bite (abreviatura he­brai­­­ca de “Tôbiyyâh”, que quer dizer “Deus é bom”, ou “o meu bem está em Deus”) confirma a acção da divi­na Providência, que vela por aqueles cuja fé é ina­balável e os ajuda a ven­cer as provações, acaban­do por lhes dar uma re­compensa muito acima de toda a expectativa, como no caso do próprio Tobite.

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