Capítulo 11
David e Betsabé – 1No ano seguinte, na época em que os reis saem para a guerra, David enviou Joab com os seus oficiais e todo o Israel; eles devastaram a terra dos amonitas e sitiaram Rabá. David ficou em Jerusalém.
2E aconteceu que uma tarde David levantou-se da cama, pôs-se a passear no terraço do seu palácio e avistou dali uma mulher que tomava banho e que era muito formosa. 3David procurou saber quem era aquela mulher e disseram-lhe que era Betsabé, filha de Eliam, mulher de Urias, o hitita.
4Então, David enviou emissários para que lha trouxessem. Ela veio e David dormiu com ela, depois de purificar-se do seu período menstrual. Depois, voltou para sua casa. 5E, vendo que concebera, mandou dizer a David: «Estou grávida.»
6Então, David mandou esta mensagem a Joab: «Manda-me Urias, o hitita.» E Joab enviou Urias, o hitita, a David. 7Quando Urias chegou, David pediu-lhe notícias de Joab, do exército e da guerra. 8E depois disse-lhe: «Desce à tua casa e lava os teus pés.» Urias saiu do palácio do rei, e este, em seguida, enviou-lhe comida da sua mesa real. 9Mas Urias não foi a sua casa e dormiu à porta do palácio com os outros servos do seu senhor. 10E contaram-no a David, dizendo-lhe: «Urias não foi a sua casa.» David perguntou a Urias: «Não voltaste, porventura, de uma viagem? Porque não foste a tua casa?» 11Urias respondeu: «A Arca de Deus habita numa tenda, assim como Israel e Judá. Joab, meu chefe, e seus servos dormem ao relento, e eu teria coragem de entrar na minha casa para comer e beber e dormir com a minha mulher? Pela tua vida, pela tua própria vida, não farei tal coisa!» 12David disse-lhe: «Fica aqui também hoje, e amanhã te enviarei.»
E Urias ficou em Jerusalém naquele dia. No dia seguinte, 13David convidou-o a comer e beber com ele, e embriagou-o. Mas à noite, Urias não foi a sua casa; saiu e deitou-se com os outros servos do seu senhor.
14No dia seguinte de manhã, David escreveu uma carta a Joab e enviou-lha por Urias. 15Dizia nela: «Coloca Urias na frente, onde o combate for mais aceso, e não o socorras, para que ele seja ferido e morra.» 16Joab, que sitiava a cidade, pôs Urias no lugar onde sabia que estavam os mais valentes guerreiros do inimigo. 17Os assediados fizeram uma incursão contra Joab, e morreram alguns homens de David, entre os quais Urias, o hitita. 18Joab mandou imediatamente informar David de todas as peripécias do combate, 19ordenando ao mensageiro: «Quando tiveres contado ao rei todos os pormenores do combate, 20se ele, indignado, te disser: ‘Porque vos aproximastes da cidade para lutar? Não sabíeis que iam disparar do alto da muralha? 21Quem matou Abimélec, filho de Jerubaal? Não foi uma mulher que lhe atirou uma pedra de moinho de cima do muro, matando-o em Tebes? Porque vos aproximastes dos muros?’ – dirás, então: ‘Morreu também o teu servo Urias, o hitita.’»
22Partiu, pois, o mensageiro e foi contar a David tudo o que Joab lhe tinha mandado. 23Disse-lhe: «Esses homens são mais fortes que nós. Saíram ao nosso encontro em campo aberto, mas nós perseguimo-los até às portas da cidade. 24Então, do alto da muralha, os arqueiros dispararam sobre os teus servos, e morreram alguns servos do rei, entre eles o teu servo Urias, o hitita.» 25Então o rei respondeu ao mensageiro: «Diz a Joab que não se aflija por causa deste fracasso, pois a espada fere ora aqui, ora ali. Que intensifique o ataque à cidade até a destruir. Encoraja-o.»
26Ao saber da morte de seu marido, a mulher de Urias chorou-o. 27Terminados os dias de luto, David mandou-a buscar e recolheu-a em sua casa. Tomou-a por esposa e ela deu-lhe um filho. Mas o procedimento de David desagradou ao Senhor.
Capítulo 12
Censuras de Natan a David. Nascimento de Salomão – 1O Senhor enviou então Natan a David. Logo que entrou no palácio, Natan disse-lhe: «Dois homens viviam na mesma cidade, um rico e outro pobre. 2O rico tinha ovelhas e bois em grande quantidade; 3o pobre, porém, tinha apenas uma ovelha pequenina, que comprara. Criara-a, e ela crescera junto dele e dos seus filhos, comendo do seu pão, bebendo do seu copo e dormindo no seu seio; era para ele como uma filha. 4Certo dia, chegou um hóspede a casa do homem rico, o qual não quis tocar nas suas ovelhas nem nos seus bois para preparar o banquete e dar de comer ao hóspede que chegara; mas foi apoderar-se da ovelhinha do pobre e preparou-a para o seu hóspede.»
5David, indignado contra tal homem, disse a Natan: «Pelo Deus vivo! O homem que fez isso merece a morte. 6Pagará quatro vezes o valor da ovelha, por ter feito essa maldade e não ter tido compaixão.» 7Natan disse a David: «Esse homem és tu! Isto diz o Senhor, Deus de Israel: ‘Ungi-te rei de Israel, salvei-te das mãos de Saul, 8dei-te a casa do teu senhor e pus as suas mulheres nos teus braços. Confiei-te os reinos de Israel e de Judá e, se isto te parecer pouco, acrescentarei outros favores. 9Porque desprezaste a palavra do Senhor, fazendo o que lhe desagrada? Feriste com a espada Urias, o hitita, para fazer da sua mulher tua esposa. Foste tu quem o matou por meio da espada dos amonitas! 10Por isso, jamais se afastará a espada da tua casa, porque me desprezaste e tomaste a mulher de Urias, o hitita, para fazer dela tua esposa’. 11Eis, pois, o que diz o Senhor: ‘Vou fazer sair da tua própria casa males contra ti. Tomarei as tuas mulheres diante dos teus olhos e hei-de dá-las a outro, que dormirá com elas à luz do Sol! 12Pois tu pecaste ocultamente; mas Eu farei o que digo diante de todo o Israel e à luz do dia!’» 13David disse a Natan: «Pequei contra o Senhor.» Natan respondeu-lhe: «O Senhor perdoou o teu pecado. Não morrerás. 14Todavia, como ofendeste gravemente o Senhor com a acção que fizeste, morrerá certamente o filho que te nasceu.» 15E Natan voltou para sua casa.
O Senhor feriu o menino que a mulher de Urias tinha dado a David com uma doença grave. 16David orou a Deus pelo menino; jejuou e passou a noite prostrado por terra. 17Os anciãos da sua casa, de pé junto dele, pediam-lhe que se levantasse do chão, mas ele não o quis fazer nem tomar com eles alimento algum. 18Ao sétimo dia, morreu o menino, e os servos do rei temiam dar-lhe a notícia da morte do menino, pois diziam: «Quando o menino ainda vivia, falávamos-lhe, e ele não nos queria ouvir; como vamos dizer-lhe agora que o menino morreu? Pode cometer uma loucura!» 19David notou que os servos segredavam entre si e compreendeu que o menino morrera. Perguntou-lhes: «O menino já morreu?» Responderam-lhe: «Morreu.»
20Então, David levantou-se do chão, lavou-se, perfumou-se, mudou de roupa e entrou na casa do Senhor para o adorar. De volta à sua casa, mandou que lhe servissem a refeição e comeu. 21Os seus servos disseram-lhe: «Que fazes? Quando o menino ainda vivia, jejuavas e choravas; agora que morreu, levantas-te e comes!» 22David respondeu: «Quando o menino ainda vivia, eu jejuava e orava, pensando: ‘Quem sabe se o Senhor terá pena de mim e me curará o menino?’ 23Mas agora que morreu, para que hei-de jejuar mais? Posso, porventura, fazê-lo voltar à vida? Eu irei para junto dele; ele, porém, não voltará mais para junto de mim.»
24David consolou Betsabé, sua mulher. Procurou-a e dormiu com ela. Ela ficou grávida e deu à luz um filho, ao qual David pôs o nome de Salomão. O Senhor amou-o 25e ordenou ao profeta Natan que lhe desse o sobrenome de Jedidias que significa «amado do Senhor.»
Guerra contra os amonitas (10,6-14; Jz 11,12-28; 1 Cr 20,1-3) – 26Joab, que sitiava Rabá dos amonitas, apoderou-se da cidade real. 27E enviou mensageiros a David com esta notícia: «Assaltei Rabá e ocupei a cidade das Águas. 28Reúne o resto do exército, vem cercar a cidade e tomá-la, não aconteça que, conquistando-a eu, me seja atribuída a vitória.» 29Reuniu David todo o exército, e marchou contra Rabá, assaltou-a e tomou-a. 30Tirou a coroa da cabeça de Milcom. Esta pesava um talento de ouro, estava ornada de pedras preciosas, e foi colocada sobre a cabeça de David. O rei levou da cidade grande quantidade de despojos. 31Quanto aos habitantes, deportou-os e empregou-os no manejo da serra, da picareta, do machado e no fabrico de tijolos. Assim fez com todas as cidades dos amonitas. Em seguida, David voltou com todas as suas tropas para Jerusalém.
Capítulo 13
Amnon e Tamar (3,2-5) – 1Depois disto, aconteceu que Absalão, filho de David, tinha uma irmã muito formosa chamada Tamar. Amnon, outro filho de David, tinha-se enamorado dela. 2Cresceu tanto esta paixão por sua irmã Tamar que ficou doente, pois Tamar era virgem e parecia-lhe impossível fazer com ela alguma coisa. 3Ora Amnon tinha um amigo chamado Jonadab, filho de Chamá, irmão de David, que era muito sagaz. 4Aquele disse a Amnon: «Ó príncipe, porque andas cada dia mais abatido? Porque não te abres comigo?» Respondeu-lhe Amnon: «É que eu amo Tamar, irmã de meu irmão Absalão.» 5Jonadab disse-lhe: «Deita-te na cama e finge-te doente. Quando teu pai te vier ver, dir-lhe-ás: ‘Permite que minha irmã Tamar me traga de comer e prepare a comida diante de mim, a fim de que eu a veja e coma da sua mão.’» 6Amnon deitou-se e fingiu-se doente. O rei foi visitá-lo, e ele disse-lhe: «Rogo-te que minha irmã Tamar venha preparar na minha presença dois bolos, para que eu coma da sua mão.» 7David mandou dizer a Tamar, no palácio: «Vai a casa de teu irmão Amnon e prepara-lhe alguma coisa de comer.»
8Tamar foi a casa de seu irmão Amnon, que estava deitado. Tomou farinha, amassou-a, preparou os bolos à vista dele e fritou-os. 9Depois, tomou a sertã, despejou-a num prato e pô-lo diante dele; mas Amnon não quis comer e disse: «Manda sair toda a gente daqui.» E retiraram-se todos. 10Amnon disse então a Tamar: «Traz a comida ao meu quarto, para que eu a coma da tua mão.» Tamar tomou os bolos que fizera e levou-os a seu irmão Amnon, que estava no quarto. 11Mas quando lhe apresentou o prato, este segurou-a, dizendo: «Vem, deita-te comigo, minha irmã!» 12Ela respondeu: «Não, meu irmão, não me violentes, pois isso não é permitido em Israel. Não cometas semelhante infâmia! 13Onde poderia ir eu com a minha vergonha? E tu serás um dos homens mais infames em Israel! Melhor será que fales ao rei; ele não recusará entregar-me a ti.»
14Mas ele não lhe quis dar ouvidos e, como era mais forte que ela, violentou-a, dormindo com ela. 15Logo a seguir, Amnon sentiu por ela uma aversão mais violenta do que o amor que antes lhe tivera. Disse-lhe Amnon: «Levanta-te e vai-te daqui.»
16Ela respondeu: «Não, pois o ultraje que me farias, expulsando-me, seria ainda mais grave do que aquilo que acabas de me fazer!» Ele, porém, não lhe deu ouvidos; 17chamou o seu servo e disse-lhe: «Põe-na fora daqui e fecha a porta.» 18Tamar trazia uma túnica comprida, que era o vestido com que se vestiam outrora as filhas do rei ainda virgens. O servo expulsou-a e fechou a porta.
19Tamar cobriu a cabeça de cinza, rasgou a túnica e deitando as mãos à cabeça, afastou-se aos gritos. 20Seu irmão Absalão disse-lhe: «Acaso esteve contigo Amnon, teu irmão? Por agora cala-te, minha irmã, porque, enfim, ele é teu irmão; não desesperes por causa desta desgraça.» E Tamar ficou desamparada na casa de seu irmão Absalão. 21O rei David soube do que tinha acontecido e ficou furioso contra Amnon. 22Absalão não disse a Amnon uma única palavra, nem boa nem má, porque o odiava por ter violado sua irmã Tamar.
Morte de Amnon e fuga de Absalão (1 Sm 25,4-8; 1 Mac 16,15-17) – 23Passados dois anos, Absalão tosquiava as suas ovelhas em Baal-Haçor, perto de Efraim, e convidou todos os filhos do rei. 24Foi também ter com o rei e disse-lhe: «Faço-te saber que se tosquiam as ovelhas do teu servo; peço, portanto, que o rei venha com os seus familiares à casa do seu servo.» 25O rei disse-lhe: «Não, meu filho, não iremos todos, para não te sermos pesados.» Apesar das instâncias de Absalão, o rei não quis ir e deu-lhe a bênção. 26Absalão replicou: «Ao menos que venha connosco o meu irmão Amnon.» Disse-lhe David: «Porque haveria ele de ir contigo?» 27Mas Absalão tanto insistiu que David deixou partir com ele Amnon e todos os outros filhos do rei. 28E Absalão deu aos seus criados a seguinte ordem: «Ficai alerta e, quando Amnon estiver alegre por causa do vinho e eu vos disser que ataquem Amnon, atacai-o e matai-o sem medo, pois sou eu quem vo-lo ordena. Ânimo, e sede homens corajosos!» 29Os servos de Absalão fizeram a Amnon conforme o seu senhor lhes ordenara. Então, todos os filhos do rei se levantaram, montaram nas suas mulas e fugiram.
30Estavam ainda a caminho, quando chegou aos ouvidos de David o boato que dizia: «Absalão matou todos os príncipes, nenhum se salvou!» 31O rei levantou-se, rasgou as vestes e prostrou-se por terra; e todos os servos que o rodeavam rasgaram também as suas vestes. 32Mas Jonadab, filho de Chamá, irmão de David, disse ao rei: «Não pense o rei, meu senhor, que foram assassinados todos os filhos do rei. Só Amnon morreu, porque Absalão jurara matá-lo, desde o dia em que ele violou sua irmã Tamar. 33Não julgue nem acredite o rei, meu senhor, que foram assassinados todos os filhos do rei. Só Amnon é que morreu.» 34Entretanto, Absalão fugira. O jovem que fazia de sentinela, levantando os olhos, viu muita gente a descer pelo caminho de Horonaim, pela encosta da montanha, e foi dizer ao rei: «Vi homens que desciam pelo caminho de Horonaim, no flanco da montanha.» 35Jonadab disse ao rei: «São os príncipes que chegam, conforme tinha dito o teu servo.» 36Mal acabou de falar, entraram os filhos do rei e puseram-se a chorar. Também o rei e todos os seus servos derramaram abundantes lágrimas. 37Absalão fugiu e foi refugiar-se na casa de Talmai, filho de Amiud, rei de Guechur. E David chorava continuamente pelo filho. 38Absalão permaneceu três anos em Guechur, para onde fugira. 39Entretanto, o rei David deixou de perseguir Absalão, por se sentir mais consolado na sua dor pela morte de Amnon.
Capítulo 14
Regresso de Absalão – 1Joab, filho de Seruia, vendo que o coração do rei se inclinava de novo para Absalão, 2mandou vir de Técua uma mulher sagaz e disse-lhe: «Finge-te muito triste, veste-te de luto e não te unjas de perfumes, a fim de pareceres uma mulher que chora um morto há muito tempo. 3Vai, então, ter com o rei e repete-lhe o que te vou dizer.» E Joab instruiu-a sobre tudo o que devia dizer. 4A mulher veio, pois, de Técua, e apresentou-se ao rei; lançou-se por terra, fez-lhe uma profunda reverência e disse: «Ó rei, salva-me!» 5O rei disse-lhe: «Que tens?» Ela respondeu: «Ai de mim! Sou uma mulher viúva. Meu marido morreu. 6Tua serva tinha dois filhos. Eles discutiram no campo e, não havendo quem os separasse, um deles feriu o outro e matou-o. 7E eis que agora toda a família se levanta contra a tua serva, dizendo-lhe: ‘Entrega-nos o fratricida para o matarmos e vingarmos o sangue de seu irmão a quem ele tirou a vida, e exterminarmos assim esse herdeiro.’ Querem, deste modo, apagar a última centelha que me resta, a fim de que não se conserve de meu marido nem nome, nem posteridade, sobre a terra.» 8O rei disse à mulher: «Volta para a tua casa, que eu tomarei providências a teu respeito.» 9Replicou-lhe a mulher de Técua: «Caia toda a culpa sobre mim e sobre a casa de meu pai; o rei e o seu trono estão inocentes.» 10O rei disse-lhe: «Se alguém te ameaçar, trá-lo à minha presença e não te incomodará mais.» 11Ela acrescentou: «Que o rei se digne pronunciar o nome do Senhor, seu Deus, para que o vingador do sangue não agrave a desgraça, matando o meu filho!» Disse ele: «Por Deus, não cairá na terra nem um só cabelo da cabeça de teu filho!»
12A mulher disse ainda: «Permites que a tua serva diga mais uma palavra ao rei, meu senhor?» «Fala», respondeu o rei. 13E ela acrescentou: «Porque pensas, então, fazer o mesmo contra o povo de Deus? Ao pronunciar esta sentença, o rei confessa-se culpado pelo facto de não permitir o regresso do desterrado. 14Quando morremos, somos como a água que, uma vez derramada na terra, não mais se pode recolher. Deus não quer que pereça uma vida, e fez os seus planos para que o exilado não fique longe dele. 15Se vim referir este assunto ao rei, foi porque o povo me aterrou. A tua serva disse: ‘Irei falar ao rei, pois talvez ele faça o que lhe pedir; 16sim, o rei há-de ouvir-me e me livrará da mão do homem que procura subtrair de mim e do meu filho a herança de Deus’. 17Tua serva disse: ‘Que o rei se digne pronunciar uma palavra de paz, porque o rei, meu senhor, é como um anjo de Deus para discernir o bem do mal. Que o Senhor, teu Deus, esteja contigo!’»
18O rei disse à mulher: «Não me ocultes nada do que vou perguntar-te.» A mulher respondeu: «Falai, meu rei e senhor!» 19Disse o rei: «Não anda em tudo isto a mão de Joab?» A mulher respondeu: «Isso é tão certo como o meu senhor e rei estar vivo. Na verdade, foi o teu servo Joab que me deu instruções e pôs na boca da tua serva todas as palavras que te disse. 20Foi para dar um novo rumo a esse assunto que Joab, teu servo, fez isto. Mas tu, meu senhor, és tão sábio como um anjo de Deus, para saber todas as coisas que se passam sobre a terra!»
21O rei disse, então, a Joab: «Está decidido. Vai e traz o jovem Absalão!» 22Joab prostrou-se com o rosto por terra e bendisse o rei, dizendo: «Agora o teu servo reconhece que me queres bem, ó meu rei e senhor, pois cumpriste o meu desejo!» 23Joab levantou-se, foi a Guechur e trouxe Absalão para Jerusalém. 24Mas o rei dissera: «Volte para a sua casa, pois não será admitido à minha presença!» Absalão retirou-se para a sua casa e não se apresentou diante do rei.
Notícias sobre Absalão – 25Não havia em todo o Israel homem tão formoso pela sua beleza como Absalão. Dos pés à cabeça, não havia nele um só defeito. 26Quando cortava o cabelo – o que fazia cada ano, porque a cabeleira o incomodava – o peso desta era de duzentos siclos, pelo peso do rei. 27Nasceram-lhe três filhos e uma filha, chamada Tamar, que era de grande beleza.
28Absalão viveu em Jerusalém dois anos sem ser admitido à presença do rei. 29Mandou chamar Joab para o enviar ao rei, mas ele não quis ir. Chamou-o segunda vez, mas ele recusou de novo. 30Disse então Absalão aos seus servos: «Vedes o campo de Joab ao lado do meu, semeado de cevada? Ide e lançai-lhe fogo.» Os servos de Absalão incendiaram o campo.
Os servos de Joab rasgaram as vestes, vieram ter com ele e disseram-lhe: «Os homens de Absalão incendiaram o teu campo.» 31Joab foi então à casa de Absalão, e disse: «Por que motivo incendiaram os teus homens o meu campo?» 32Absalão respondeu: «Mandei-te chamar, com estas palavras: ‘Vem, pois quero enviar-te ao rei para lhe dizer: Porque vim eu de Guechur? Seria melhor ter lá ficado. Peço para ser admitido à presença do rei; se sou culpado que me mande matar.’» 33Então, Joab apresentou-se ao rei e contou-lhe tudo. Absalão foi chamado, entrou nos aposentos do rei e prostrou-se diante dele com o rosto por terra. E o rei abraçou-o.
Capítulo 15
Revolta de Absalão – 1Depois disto, Absalão adquiriu para si um carro, cavalos e cinquenta homens para o escoltarem. 2Levantava-se cedo e colocava-se à beira do caminho que leva à porta da cidade, e a todos os que vinham procurar o rei para lhes fazer justiça, Absalão interpelava-os e dizia-lhes: «De que cidade és tu?» O homem respondia: «Eu, teu servo, sou de tal tribo de Israel.» 3Dizia-lhe Absalão: «A tua pretensão é boa e justa; mas não há ninguém para te ouvir da parte do rei.» 4E acrescentava: «Oh, quem me dera ser juiz desta terra! Todo aquele que tivesse uma demanda ou uma questão e viesse ter comigo, eu lhe faria justiça.» 5Se alguém se aproximava para se prostrar diante dele, Absalão estendia-lhe a mão, amparava-o e beijava-o. 6Absalão fazia isto com todos os israelitas que vinham procurar o rei para qualquer julgamento e, desse modo, conquistou os seus corações.
7Ao fim de quatro anos, Absalão disse ao rei: «Deixa-me ir a Hebron cumprir um voto que fiz ao Senhor, 8pois, quando o teu servo estava em Guechur, fez este voto: ‘Se o Senhor me reconduzir a Jerusalém, irei oferecer um sacrifício ao Senhor.’» 9Disse-lhe o rei: «Vai em paz.» E ele partiu para Hebron. 10Absalão enviou emissários a todas as tribos de Israel, dizendo: «Logo que ouvirdes o som da trombeta, dizei: ‘Absalão é rei em Hebron!’» 11Foram também com Absalão duzentos homens de Jerusalém, convidados por ele, que o seguiam com simplicidade de coração, sem nada suspeitar. 12Enquanto oferecia os sacrifícios, Absalão mandou chamar Aitofel de Guilo, conselheiro de David, à sua cidade de Guilo. A conjura era forte e o número de partidários de Absalão ia aumentando.
Fuga de David (17,14-23) – 13Foram, então, dizer a David: «O coração dos israelitas inclinou-se para Absalão!» 14David disse aos servos que estavam com ele em Jerusalém: «Fujamos depressa porque, de outro modo, não podemos escapar a Absalão! Apressemo-nos a sair, não suceda que ele se apresse, nos surpreenda e se lance sobre nós, passando a cidade ao fio da espada.» 15Os servos responderam ao rei: «Faça-se como o rei, meu senhor, ordenar. Somos teus servos.» 16O rei partiu a pé com toda a sua família, mas deixou as dez concubinas para guardarem o palácio. 17O rei saiu, pois, a pé com todos os seus servos e parou junto da última casa.
18Todos os seus servos passavam a seu lado. À frente do rei iam os esquadrões dos cretenses, dos peleteus e todos os gatitas, em número de seiscentos homens, que o tinham acompanhado desde Gat. 19O rei disse a Itai, de Gat: «Porque vens também connosco? Volta e fica com o rei, pois és estrangeiro e estás fora da tua pátria. 20Chegaste ontem e já hoje vou obrigar-te a andar errante connosco, não sabendo eu mesmo para onde vou? Regressa e leva contigo os teus irmãos. O Senhor seja misericordioso e fiel para contigo.»
21Mas Itai respondeu ao rei: «Pela vida do Senhor e pela vida do rei, meu senhor! Onde estiver o meu senhor e rei, aí estará também o teu servo, tanto para morrer como para viver.» 22Disse-lhe David: «Está bem, passa e vem connosco.» E Itai, de Gat, desfilou com todos os seus homens e toda a sua família.
23Estando o rei na torrente do Cédron, enquanto o povo seguia diante dele a caminho do deserto, toda a gente chorava em voz alta. 24Chegou também Sadoc com os levitas, que conduziam a Arca da aliança de Deus. Colocaram-na junto de Abiatar, enquanto passava todo o povo que tinha saído da cidade.
25Disse, então, o rei a Sadoc: «Reconduz a Arca de Deus à cidade. Se eu agradar ao Senhor, Ele me reconduzirá e me deixará ver de novo a sua Arca e o lugar da sua habitação. 26Mas, se Ele disser que não quer mais saber de mim, estou à sua disposição e faça de mim o que lhe aprouver.» 27O rei disse a Sadoc: «Olha! Volta de novo para a cidade com Abiatar e com Aimaás, teu filho, e Jónatas, filho de Abiatar. 28Eu vou esconder-me no deserto, à espera de que me envieis notícias.» 29Sadoc e Abiatar reconduziram, pois, a Arca de Deus para Jerusalém e ficaram lá.
30David, chorando, subia o monte das Oliveiras, com a cabeça coberta e descalço. Todo o povo que o acompanhava subia também, chorando, com a cabeça coberta. 31Disseram a David que Aitofel também estava entre os conjurados de Absalão. David exclamou: «Fazei, Senhor, que saiam errados os conselhos de Aitofel!» 32Ao chegar David ao cimo do monte, no lugar onde se adora a Deus, Huchai, o erequita, veio ao seu encontro com a túnica rasgada e a cabeça coberta de pó. 33David disse-lhe: «Se vieres comigo, serás para mim um peso; 34mas se voltares à cidade e disseres a Absalão: ‘Quero ser, ó rei, teu servo; como servi a teu pai, assim te servirei a ti’, então anularás, a meu favor, os conselhos de Aitofel. 35Ali terás contigo os sacerdotes Sadoc e Abiatar, a quem comunicarás tudo o que souberes do palácio real. 36Com eles estão os seus dois filhos, Aimaás, filho de Sadoc, e Jónatas, filho de Abiatar; por eles me transmitirás tudo o que ouvires.»
37E Huchai, amigo de David, voltou para a cidade no momento em que Absalão fazia a sua entrada em Jerusalém.
Capítulo 16
David e Ciba (9,2-13; 19,18-20) – 1Tendo David descido um pouco a outra encosta do monte, viu Ciba, servo de Mefiboset, que vinha ao seu encontro com dois jumentos carregados de duzentos pães, cem cachos de uvas secas, cem peças de fruta da estação e um odre de vinho.
2O rei disse-lhe: «Para que é isso?» Ciba respondeu: «Os jumentos são para a família do rei montar; os pães e os frutos são para os teus servos comerem; o vinho, para beberem aqueles que desfalecerem no deserto.» 3O rei perguntou: «Mas onde está o filho do teu senhor?» Ciba respondeu ao rei: «Ficou em Jerusalém, pensando: ‘Hoje a casa de Israel me restituirá o reino de meu pai.’» 4O rei disse a Ciba: «Doravante, tudo o que possuía Mefiboset te pertencerá.» E Ciba respondeu: «Inclino-me diante de ti e agradeço-te o favor que me fazes, ó meu rei e senhor.»
5Chegou, pois, o rei a Baurim, e saía de lá um homem da parentela de Saul, chamado Chimei, filho de Guera, que, enquanto caminhava, ia proferindo maldições. 6Lançava pedras contra David e contra os servos do rei, apesar de todo o povo e todos os guerreiros seguirem o rei, agrupados à direita e à esquerda. 7E Chimei amaldiçoava-o, dizendo: «Vai, vai embora, homem sanguinário e criminoso. 8O Senhor fez cair sobre ti todo o sangue da casa de Saul, cujo trono usurpaste, e entregou o reino a teu filho Absalão. Vês-te, agora, oprimido de males, por teres sido um homem sanguinário.»
9Então, Abisai, filho de Seruia, disse ao rei: «Porque há-de continuar este cão morto a insultar o rei, meu senhor? Deixa-me passar, para lhe cortar a cabeça.» 10Mas o rei respondeu-lhe: «Que te importa, filho de Seruia? Deixa-o amaldiçoar-me. Se o Senhor lhe ordenou que amaldiçoasse David, quem poderá dizer-lhe: ‘Porque fazes isto?’» 11David disse também a Abisai e aos seus homens: «Vede! Se o meu próprio filho, fruto das minhas entranhas, conspira contra a minha vida, quanto mais agora este filho de Benjamim? Deixai-o amaldiçoar-me, conforme a permissão do Senhor. 12Talvez o Senhor tenha em conta a minha miséria e me venha a dar bens em troca destes ultrajes.» 13David e os seus homens prosseguiram o seu caminho, mas Chimei seguia a par dele pelo flanco da montanha, amaldiçoando-o, atirando-lhe pedras e espalhando poeira no ar.
14O rei e toda a sua tropa chegaram extenuados. E descansaram ali.
Absalão em Jerusalém – 15Entretanto, Absalão, com todos os seus partidários de Israel, entrou em Jerusalém, acompanhado de Aitofel. 16Huchai, o erequita, amigo de David, foi apresentar-se a Absalão e disse-lhe: «Viva o rei! Viva o rei!» 17Absalão disse-lhe: «É essa a tua gratidão para com o teu amigo? Porque não partiste com ele?» 18Huchai respondeu-lhe: «De modo nenhum! Eu sou por aquele que o Senhor escolheu com todo este povo e é com este que ficarei. 19Além disso, a quem devo servir senão ao seu filho? Como servi a teu pai, assim também te servirei a ti.»
20Absalão disse a Aitofel: «Deliberai entre vós o que devemos fazer.» 21Aitofel respondeu-lhe: «Aproxima-te das concubinas de teu pai, que ficaram aqui para guardar o palácio. Deste modo, todo o Israel saberá que te tornaste odioso a teu pai, e os teus partidários sentirão maior coragem.»
22Armaram, pois, uma tenda para Absalão no terraço e, à vista de todo o Israel, ele foi abusar das concubinas de seu pai. 23Naquele tempo, os conselhos de Aitofel eram considerados como oráculos de Deus; assim eram considerados todos os seus conselhos, tanto por parte de David como de Absalão.
Capítulo 17
Aitofel e Huchai – 1Aitofel disse a Absalão: «Deixa-me escolher doze mil homens, e partirei ainda esta noite a perseguir David. 2Cairei sobre ele no momento em que estiver extenuado de fadiga; espalharei o pânico e todos os que estão com ele fugirão. O rei ficará sozinho, e então matá-lo-ei. 3Assim farei voltar todo o povo para ti. Atingir o homem que tu persegues acarretará a vinda de todos. E todo o povo ficará em paz.» 4Este conselho agradou a Absalão e a todos os anciãos de Israel. 5Mas Absalão disse: «Chamem Huchai, o erequita, e ouçamos também o que ele diz.» 6Quando Huchai chegou à presença de Absalão, este disse-lhe: «É este o parecer de Aitofel. Devemos segui-lo? Que nos aconselhas tu?» 7Huchai respondeu a Absalão: «Desta vez, o conselho de Aitofel não é bom.» 8E acrescentou: «Sabes que teu pai e seus homens são valentes e estão furiosos como a ursa num bosque sem as suas crias. Teu pai é um guerreiro e não irá descansar com a tropa. 9Ele, agora, deve estar escondido em alguma gruta ou em lugar semelhante. E se, ao primeiro choque, caírem alguns do nosso exército, isto será publicado e dir-se-á: ‘O exército que segue o partido de Absalão foi derrotado’. 10Então, até os mais valentes desanimarão, mesmo que tenham um coração de leão, pois todo o Israel sabe que teu pai é um grande chefe e está acompanhado de homens valentes. 11É este o meu conselho: mobilize-se todo o Israel de Dan a Bercheba, e reúnam-se junto de ti tão numerosos como os grãos de areia na praia do mar, e tu te colocarás pessoalmente no meio deles. 12Atirar-nos-emos sobre David em qualquer lugar onde se encontre e havemos de cair sobre ele como o orvalho cobre a terra, e não deixaremos vivos nem um só homem dos que o seguem. 13Se se refugiar em alguma cidade, todo o Israel a cercará de cordas e arrastá-la-emos até à torrente, de modo que não fique dela uma só pedra!» 14Disse Absalão e todos os que estavam com ele: «É melhor o conselho de Huchai, o erequita, que o de Aitofel.» O Senhor decidira frustrar o hábil plano de Aitofel, a fim de lançar a desgraça sobre Absalão.
15Então, Huchai disse aos sacerdotes Sadoc e Abiatar: «Aitofel aconselhou Absalão e os anciãos de Israel deste modo; eu, porém, aconselhei-o desta maneira. 16Enviai imediatamente a David esta mensagem: ‘Não fiques esta noite nas planícies do deserto, mas atravessa-o sem demora, não suceda que sejam exterminados o rei e os homens que estão com ele.’»
17Jónatas e Aimaás estavam à espera junto à fonte de Roguel; uma criada foi dar-lhes a notícia, para eles a levarem ao rei David, mas não deviam ser vistos ao entrar na cidade. 18Um jovem, porém, viu-os e avisou Absalão. Mas eles entraram a toda a pressa na casa de um homem em Baurim. Havia uma cisterna no pátio e nela se esconderam. 19A mulher colocou uma manta sobre a cisterna e espalhou por cima grãos molhados, de modo que nada se notava. 20Os enviados de Absalão entraram na casa da mulher e disseram: «Onde estão Aimaás e Jónatas?» Ela respondeu: «Atravessaram o regato.» Puseram-se a procurá-los mas, não encontrando ninguém, voltaram a Jerusalém. 21Depois de eles partirem, os jovens saíram da cisterna e foram levar esta notícia ao rei David: «Ide! Passai depressa o rio, porque Aitofel deu este conselho contra vós.» 22David partiu com todos os seus homens e passou o Jordão. Ao amanhecer, não havia um só homem que não tivesse atravessado o Jordão.
23Aitofel, vendo que o seu conselho não fora cumprido, selou o seu jumento e partiu para a sua casa, na sua cidade. Pôs em ordem os seus negócios e enforcou-se. E foi sepultado no túmulo de seu pai.
Os dois campos – 24David chegou a Maanaim quando Absalão passava o Jordão com os israelitas. 25Absalão pôs Amassá à frente do exército, em lugar de Joab. Amassá era filho de um homem natural de Jezrael, chamado Jitra, que se unira a Abigaíl, filha de Naás, irmã de Seruia, mãe de Joab. 26Os israelitas e Absalão acamparam na terra de Guilead.
27Logo que David chegou a Maanaim, Chobi, filho de Naás, de Rabá dos amonitas, Maquir, filho de Amiel de Lodebar, e Barzilai, o guileadita, de Roguelim, 28ofereceram-lhe camas, tapetes, copos e vasilhas, bem como trigo, cevada, farinha, grão torrado, favas, lentilhas, 29mel, manteiga, queijos e ovelhas. Apresentaram tudo isto a David e à sua gente, para que se alimentassem, pois diziam: «Estes homens sofreram certamente fome e sede no deserto.»
Capítulo 18
Derrota e morte de Absalão 1David passou revista às suas tropas e pôs à frente delas chefes de milhares e de centenas. 2Depois, David deu ao exército o sinal de partida; confiou um terço a Joab, um terço a Abisai, irmão de Joab e filho de Seruia, e um terço a Itai, de Gat. E disse o rei às suas tropas: «Eu também vou convosco.» 3Mas eles responderam-lhe: «Não, tu não irás! Pois, se fugíssemos, os inimigos não se interessariam e, mesmo que metade de nós morresse, nada disso importaria. Tu vales tanto como dez mil de nós. É melhor que fiques na cidade, para nos socorreres.» 4Disse-lhes o rei: «Farei o que melhor vos parecer.»
Colocou-se então à porta da cidade, enquanto todo o exército saía, formado em esquadrões de cem e de mil. 5O rei deu esta ordem a Joab, a Abisai e a Itai: «Poupai o meu filho Absalão!» E todos ouviram a ordem que o rei dera aos chefes a respeito de Absalão. 6Partiu, enfim, o exército para pelejar contra Israel e travou-se o combate na floresta de Efraim. 7Os israelitas foram derrotados pela gente de David. A mortandade foi grande. Morreram ali vinte mil homens. 8O combate estendeu-se por toda a região, e foram mais os que naquele dia pereceram na floresta do que os que morreram à espada.
9Absalão, montado numa mula, encontrou-se, de repente, em frente dos homens de David. A mula passou sob a ramagem espessa de um grande carvalho, e a cabeça de Absalão ficou presa nos ramos da árvore, de modo que ficou suspenso entre o céu e a terra enquanto a mula, em que ia montado, seguia em frente. 10Alguém viu isto e informou Joab: «Vi Absalão suspenso num carvalho.» 11Joab respondeu ao homem que lhe deu a notícia: «Se o viste, porque não o abateste logo ali e eu dar-te-ia dez siclos de prata e um cinto?» 12O homem respondeu a Joab: «Mesmo que me pusessem nas mãos mil siclos de prata, eu não levantaria a mão contra o filho do rei, porque ele ordenou a ti, a Abisai e a Itai, na nossa presença: ‘Poupai-me o jovem Absalão’. 13Se eu tivesse cometido esta infâmia contra a sua vida, nada se ocultaria ao rei e nem tu me defenderias.»
14Joab respondeu: «Não tenho tempo a perder contigo.» Tomou, pois, três dardos e cravou-os no coração de Absalão. E como ainda palpitasse com vida, suspenso do carvalho, 15dez jovens escudeiros de Joab aproximaram-se, feriram Absalão e acabaram de o matar. 16Joab tocou, então, a trombeta e o exército deixou de perseguir Israel, pois Joab conteve o povo. 17Tomaram Absalão e atiraram-no para uma grande vala no interior da floresta, erguendo em seguida sobre ele um enorme monte de pedras. Entretanto, todo o Israel fugira, cada um para sua casa. 18Absalão, quando ainda vivia, mandara erigir para si o monumento que se encontra no Vale do Rei, pois dizia: «Não tenho filhos para perpetuar a memória do meu nome.» E deu o seu próprio nome a este monumento, que se chama, ainda hoje, «Monumento de Absalão.»
David recebe a notícia da morte de Absalão – 19Aimaás, filho de Sadoc, disse: «Irei a correr dar ao rei a boa nova de que o Senhor fez justiça, livrando-o dos seus inimigos.» 20Mas Joab respondeu-lhe: «Não lhe levarás hoje boas notícias. Outro dia as darás, porque hoje não darias uma boa notícia, pois trata-se da morte do filho do rei.» 21E Joab disse a um etíope: «Vai ter com o rei e anuncia-lhe o que viste.» O etíope prostrou-se diante de Joab e saiu a correr. 22Aimaás, filho de Sadoc, insistiu com Joab: «Seja como for, mas deixa-me correr também atrás do etíope.» E Joab respondeu: «Porque queres correr, meu filho? Esta mensagem de nada te aproveitaria.» 23«Não importa, aconteça o que acontecer, eu correrei.» Então, respondeu-lhe: «Corre!» Aimaás pôs-se a correr pelo caminho da planície e passou à frente do etíope.
24David estava sentado entre duas portas. A sentinela que tinha subido ao terraço da muralha por cima da porta, levantou os olhos e viu um homem que corria sozinho. 25Gritou para dar a notícia ao rei, que disse: «Se vem só, traz boas notícias.» À medida que o homem se aproximava, 26a sentinela viu então outro homem que corria e gritou ao porteiro: «Vejo também outro homem que vem a correr sozinho.» Disse-lhe o rei: «Também esse traz boas notícias.» 27A sentinela acrescentou: «Pela maneira de correr, o primeiro só pode ser Aimaás, filho de Sadoc.» Disse o rei: «É um homem de bem. Traz boas notícias.»
28Aimaás chegou e disse ao rei: «Vitória!» Prostrou-se logo com a face por terra e disse: «Bendito seja o Senhor, teu Deus, que entregou nas tuas mãos os homens que se sublevaram contra o rei, meu senhor.» 29O rei perguntou: «O jovem Absalão está bem?» Aimaás respondeu: «Vi um grande tumulto no momento em que Joab enviou ao rei o teu servo, mas ignoro o que se passou.» 30O rei disse-lhe: «Vem e espera aqui.» Ele afastou-se e esperou ali. 31Chegou, a seguir, o etíope e disse: «Saiba o rei, meu senhor, a boa notícia: o Senhor fez hoje justiça a teu favor contra todos os que se revoltaram contra ti.» 32O rei perguntou ao etíope: «Está bem o jovem Absalão?» E o etíope respondeu: «Tenham a sorte deste jovem os inimigos do rei, meu senhor, e todos os que se levantam contra ti para te fazer mal!»
Capítulo 19
Luto de David por Absalão 1Então, o rei, muito triste, subiu ao quarto que estava por cima da porta e pôs-se a chorar. E dizia, caminhando de um lado para o outro: «Meu filho Absalão, meu filho, meu filho Absalão! Porque não morri eu em teu lugar? Absalão, meu filho, meu filho!» 2Disseram a Joab: «O rei chora e lamenta-se por causa de Absalão.» 3E naquele dia a vitória converteu-se em luto para todo o exército, porque o povo soube que o rei estava acabrunhado de dor por causa do filho. 4Por isso, o exército entrou na cidade em silêncio, como entra, coberto de vergonha, um exército derrotado. 5E o rei cobriu a cabeça e dizia em alta voz: «Meu filho Absalão! Absalão, meu filho, meu filho!»
6Chegou então Joab à casa do rei e disse-lhe: «Tu hoje enches de confusão a face de todos os teus servos que salvaram a tua vida, a vida de teus filhos e filhas, de tuas mulheres e concubinas. 7Amas os que te odeiam e odeias os que te amam, e mostras que todos os teus servos e chefes do exército nada valem para ti. Ficarias satisfeito se Absalão vivesse, e nós fôssemos todos mortos! 8Vamos, sai e anima o coração dos teus servos, pois juro pelo Senhor que, se não sais, nem um só homem ficará contigo esta noite. E isto seria para ti uma desgraça maior do que todas as que te aconteceram desde a tua mocidade até agora.» 9O rei levantou-se e sentou-se à porta. E avisou-se todo o povo: «O rei está sentado à porta.» E todo o povo se apresentou diante do rei.
Regresso de David a Jerusalém (16,1-13) – Os israelitas tinham fugido cada um para a sua casa. 10E em todas as tribos de Israel todos discutiam e diziam: «O rei salvou-nos das mãos dos nossos inimigos e do poder dos filisteus, mas teve agora de sair da terra para fugir de Absalão. 11E Absalão, a quem tínhamos ungido rei, morreu no combate. Porque tardais em fazer o rei regressar?»
12O rei David mandou dizer aos sacerdotes Sadoc e Abiatar: «Falai aos anciãos de Judá e dizei-lhes: ‘Sereis vós os últimos a reconduzir o rei a casa? Pois o que diz todo o Israel chega aos ouvidos do rei, à sua casa. 13Vós sois meus irmãos, da minha carne e do meu sangue. Porque, havereis de ser os últimos a fazer o rei regressar?’ 14Dizei também a Amassá: ‘Porventura não és tu da minha carne e do meu sangue? Trate-me Deus com todo o seu rigor, se não te tornar para sempre chefe do meu exército em lugar de Joab.’»
David e Chimei – 15Deste modo, o coração de todos os homens de Judá inclinou-se para David, como se fossem um só homem, e mandaram-lhe dizer: «Volta com todos os teus!» 16Voltou, pois, o rei e, chegando ao Jordão, todos os de Judá acorreram a Guilgal para o receber e acompanhar na passagem do Jordão. 17Chimei, filho de Guera, da tribo de Benjamim, natural de Baurim, apressou-se a ir ao encontro do rei David. 18Levava consigo mil homens de Benjamim e também Ciba, servo da família de Saul, com os seus vinte servos e os seus quinze filhos. Atravessaram o Jordão antes do rei, 19a fim de fazer passar a família real e colocar-se às suas ordens. Chimei, filho de Guera, no momento em que o rei ia a passar o Jordão, prostrou-se a seus pés 20e disse-lhe: «Não castigues, meu senhor, a minha maldade, nem guardes no teu coração a lembrança das injúrias que recebeste do teu servo, no dia em que saíste, meu rei e senhor, de Jerusalém. 21Este teu servo sabe que pecou. Por isso, vim hoje, o primeiro de toda a casa de José, ao encontro do rei, meu senhor!» 22Abisai, filho de Seruia, tomou a palavra, e disse: «Não se deverá antes matar Chimei, por ter amaldiçoado o ungido do Senhor?» 23Respondeu David: «Que tenho a ver convosco, filhos de Seruia, para que vos torneis meus tentadores no dia de hoje? Porventura é hoje dia para fazer morrer um só filho de Israel? Não sei, acaso, que hoje sou de novo rei de Israel?» 24E disse a Chimei: «Não morrerás.» E prometeu-lho com juramento.
David e Mefiboset – 25Mefiboset, filho de Saul, saiu também ao encontro do rei. Já não lavava os pés nem fazia a barba, nem lavava as suas vestes desde o dia em que o rei partiu até ao dia em que voltou em paz. 26Apresentou-se, pois, ao rei, em Jerusalém, e este disse-lhe: «Porque não partiste comigo, Mefiboset?» 27Ele respondeu: «Meu senhor e rei, o meu criado enganou-me. Pois, sendo paralítico teu servo, dissera-lhe que me selasse a jumenta para montar e partir com o rei. 28Ele, porém, caluniou-me junto do rei meu senhor. Mas o rei, meu senhor, é como um anjo de Deus; faça o que for do seu agrado. 29Toda a família de meu pai merecia a morte diante do meu senhor e rei, e, no entanto, admitiste o teu servo entre os que comem à tua mesa. Com que direito ainda posso reclamar alguma coisa do rei?» 30O rei respondeu: «Para quê tantas palavras? Declaro que tu e Ciba repartireis os bens.» 31E Mefiboset disse: «Ele pode até ficar com tudo, uma vez que o rei, meu senhor, voltou em paz para sua casa.»
David e Barzilai – 32Barzilai, o guileadita, desceu de Roguelim, passou o Jordão com o rei, despedindo-se dele junto do Jordão. 33Era já muito velho, pois tinha oitenta anos. Sendo muito rico, abastecera o rei durante todo o tempo em que ele esteve em Maanaim. 34O rei disse-lhe: «Vem comigo, e eu te sustentarei em Jerusalém!» 35Mas Barzilai respondeu: «Quantos anos viverei ainda, para subir com o rei a Jerusalém? 36Tenho agora oitenta anos e já não sei discernir entre o que é bom e o que é mau. Já não posso saborear a comida e a bebida, nem ouvir a voz dos cantores e cantoras. E para que se há-de tornar pesado o teu servo ao meu senhor e rei? 37O teu servo acompanhar-te-á um pouco mais além do Jordão. Porque há-de o rei conceder-me tal recompensa? 38Deixa que o teu servo regresse. Deixa-me morrer na minha cidade, junto ao túmulo de meu pai e de minha mãe. Mas aqui tens o teu servo Quimeam; este pode ir contigo, meu rei e senhor; faz dele o que melhor te parecer.» 39Respondeu o rei: «Que ele venha, pois, comigo. Far-lhe-ei tudo o que te agradar; e a ti, também te concederei tudo quanto me pedires.» 40Finalmente, o rei passou o Jordão com toda a gente, beijou Barzilai, abençoou-o, e Barzilai voltou para sua casa.
41O rei dirigiu-se a Guilgal, acompanhado de Quimeam. Todo o povo de Judá e metade do povo de Israel ajudaram o rei a passar. 42Mas todos os homens de Israel foram ter com o rei e disseram-lhe: «Por que razão os nossos irmãos, os filhos de Judá, te sequestraram e obrigaram o rei com toda a sua família e todos os seus homens a passar o Jordão?» 43E os filhos de Judá responderam aos israelitas: «É que o rei é nosso parente. Porque vos irritais com isso? Acaso temos comido a expensas do rei ou recebido dele alguma coisa?» 44Mas os homens de Israel replicaram aos de Judá: «Temos dez vezes mais direitos que vós sobre o rei, e mesmo sobre David. Porque nos desprezastes? Não fomos nós os primeiros a propor o regresso do rei?» Mas as palavras dos homens de Judá foram mais duras que as dos homens de Israel.
Capítulo 20
Revolta de Cheba – 1Encontrava-se ali um homem perverso, chamado Cheba, filho de Bicri, da tribo de Benjamim, o qual tocou a trombeta e proclamou: «Nada temos a ver com David; nada temos de comum com o filho de Jessé! Cada um para as suas tendas, ó Israel!» 2Todos os homens de Israel abandonaram David e seguiram Cheba, filho de Bicri. Mas os homens de Judá acompanharam o seu rei, desde o Jordão até Jerusalém. 3David voltou ao seu palácio em Jerusalém; o rei tomou as dez concubinas que tinha deixado a guardar o palácio e colocou-as numa casa bem guardada, cuidando do seu sustento, mas não foi mais ter com elas; e ali ficaram enclausuradas até ao dia da sua morte, como se fossem viúvas.
4O rei disse a Amassá: «Reúne-me, em três dias, os homens de Judá e apresenta-te também com eles.» 5Amassá partiu para convocar Judá mas demorou-se mais do que o prazo que o rei lhe tinha fixado. 6Então, David disse a Abisai: «Cheba, filho de Bicri, vai tornar-se agora mais perigoso que Absalão. Toma contigo os servos do teu senhor e persegue-o, não aconteça que ele encontre cidades fortificadas e nos escape.» 7Partiram, pois, com Abisai os homens de Joab, os cretenses e os peleteus, e todos os valentes saíram de Jerusalém em perseguição de Cheba, filho de Bicri. 8Quando chegaram junto da grande pedra que se encontra em Guibeon, Amassá foi ter com eles. Joab endossava a sua veste militar; sobre ela levava, cingida à cintura, uma espada embainhada. Ao adiantar-se, esta caiu. 9Joab perguntou a Amassá: «Como vais, meu irmão?» E agarrou-lhe a barba com a mão direita, para o beijar. 10Amassá, porém, não reparou na espada que segurava Joab. Este feriu-o no ventre e derramou por terra as entranhas dele. Não houve necessidade de um segundo golpe, pois caiu logo morto. Depois, Joab e seu irmão Abisai lançaram-se em perseguição de Cheba, filho de Bicri.
11Um dos soldados de Joab parou junto de Amassá e disse: «Todos os que amam Joab e estão com David sigam Joab!» 12Amassá continuava estendido no meio do caminho, coberto de sangue. Reparando que todos se detinham para o ver, o soldado arrastou Amassá para um campo e cobriu-o com um manto, pois viu que paravam todos os que chegavam diante dele. 13Retirado do caminho, todos os homens de Israel seguiram atrás de Joab para perseguir Cheba, filho de Bicri.
14Cheba atravessou todas as tribos de Israel em direcção a Abel-Bet-Maacá e todos os habitantes de Bicri o seguiram. 15Foram então sitiá-lo em Abel-Bet-Maacá e levantaram contra a cidade um baluarte que chegava à altura da muralha. Todos os que estavam com Joab tentavam destruir a muralha. 16Então, uma mulher sensata da cidade pôs-se a gritar, dizendo: «Ouvi, ouvi! Dizei a Joab que se aproxime para que eu lhe possa falar.» 17Aproximou-se Joab e a mulher disse-lhe: «És tu Joab?» Respondeu ele: «Sim, sou eu.» Ela continuou: «Escuta as palavras da tua serva.» Respondeu: «Estou a ouvir-te.» Ela continuou: 18«Outrora costumava dizer-se: ‘Quem procura conselho que o busque em Abel. E tudo se resolverá’. 19Eu sou a mais pacífica e fiel de Israel, e tu procuras a destruição de uma cidade, uma metrópole em Israel. Porque queres destruir o que é propriedade do Senhor?»
20Joab respondeu-lhe: «Longe de mim tal coisa; não venho arruinar nem destruir coisa alguma. 21Não se trata disso. A minha intenção é outra; apenas busco um homem da montanha de Efraim, chamado Cheba, filho de Bicri, que se atreveu a levantar a mão contra o rei David. Entregai-nos esse homem e retirar-me-ei da cidade.» A mulher disse a Joab: «A sua cabeça será lançada por cima do muro.» 22A mulher voltou à cidade e comunicou a todo o povo a sua sábia decisão. Cortaram a cabeça a Cheba, filho de Bicri, e atiraram-na a Joab. Este tocou a trombeta e todos se retiraram da cidade, cada um para sua casa. Joab voltou para junto do rei, em Jerusalém.
Funcionários da corte de David (8,16-18) – 23Joab comandava todo o exército de Israel. Benaías, filho de Joiadá, capitaneava os cretenses e peleteus. 24Adoram presidia aos trabalhos. Josafat, filho de Ailud, era o cronista. 25Cheva era o escriba. Sadoc e Abiatar eram sacerdotes. 26Ira, o jairita, era também sacerdote de David.